Donald Trump foi eleito o 47o. Presidente dos EUA com uma votação surpreendente, que lhe rendeu a vitória em todos os sete estados-pêndulo e um êxito fora de qualquer previsão – considerado por muitos analistas impossível para qualquer republicano – na votação popular, que é o somatório total de votos recebidos pelo candidato em todos os estados, cuja vantagem, até o fechamento deste texto, atinge cerca de 3,5 milhões de votos.
Os republicanos assumiram o controle do Senado com 52 dos 100 senadores – Dave McCormick lidera na ainda indefinida Pennsylvania, podendo dar mais uma cadeira ao partido. Na Câmara dos Representantes, já elegeu 218 deputados, restando apenas 2 de 12 cadeiras em jogo para estabelecer a maioria na casa. Os republicanos, ainda, elegeram a maior parte dos governadores cujos estados passaram por eleições para o executivo estadual e conseguiram enorme avanço em condados e estados que, ainda que derrotados, viram suas margens diminuírem dramaticamente em relação aos democratas.
Uma vitória tão substantiva dará a Donald Trump uma força política inesperada para implementar sua agenda do Make America Great Again, sem as amarras de seu primeiro mandato, quando não possuía apoio majoritário do próprio partido nem respaldo de burocratas relevantes para a condução do governo. Trump, agora, tem controle dos republicanos e transformou o partido em sua imagem e semelhança, além de muito mais suporte de setores econômicos e de instituições políticas. Podemos esperar que o ex-presidente volte com o seu já conhecido voluntarismo, mas agora com meios de implementar suas ideias e legitimidade política para sustentá-las.
Um dos aspectos que mais interessa ao mundo é o que será implementado em termos geopolíticos e diplomáticos por esse novo gabinete que se formará. Se considerarmos o que já vimos em seu mandato anterior e o que vem prometendo para o próximo, poderíamos esperar um Trump que siga a doutrina de política externa isolacionista, resgatada por ele e que coloca em questão o protagonismo americano no cenário internacional.
Por resultado, há temor em relação ao apoio a aliados em geografias importantes, como Europa e o Mar do Sul da China, onde, quando presidente, Trump fez movimentos de abandono de aliados, em um espaço de interesse direto chinês. Insinuou retirar as bases americanas da Coreia do Sul em troca do fim do programa nuclear da vizinha ao norte, cujo líder chegou a se encontrar com Trump. Em entrevista recente afirmou que se a China invadisse Tawain, não interviria. São temas caros a Pequim, que busca, de forma cada vez mais virulenta e belicosa, o controle de sua principal zona marítima. É consenso que se trata da região geopoliticamente mais tensa do planeta e um possível afastamento do grande aliado americano enfraqueceria sobremaneira os rivais chineses do Pacífico.
No continente europeu, podemos esperar que os EUA aumentem a pressão para que os países-membros da OTAN aumentem seus gastos em defesa e dependam menos da participação americana. Ainda que essa demanda seja bipartidária, Trump a tem utilizado desde que lançou sua primeira candidatura presidencial, em 2015, e se tornou uma de suas principais bandeiras. E na esteira desse distanciamento das questões de segurança europeias, é quase certo que a ajuda a Ucrânia sofra um forte revés, sendo possível até mesmo uma paz negociada pelos EUA que entregue aos russos todos os territórios ucranianos por eles invadidos e conquistados. Seria uma vitória para Putin e uma ameaça a União Europeia, que se verá sem saída senão aumentar sua dívida para financiar os inevitáveis aumentos nos gastos em defesa.
A indicação do senador Marco Rubio para o cargo de Secretário de Estado, equivalente ao ministro das Relações Exteriores do Brasil, e função de maior prestígio e influência no gabinete da presidencial, sinaliza, porém, um importante contraponto ao isolacionismo pregado por Trump. Rubio, senador pela Florida desde 2010 e ex adversário de Trump nas primarias republicanas de 2016, possui experiência na comissão de assuntos internacionais do senado, tendo-a liderado, inclusive, e se tornou uma figura emblemática no enfrentamento a ditaduras latino-americanas e, sobretudo, na defesa de uma postura contundente em relação à China. Sua atuação evoca uma doutrina bastante tradicional no partido republicano e até agora ignorada por Trump, que se caracteriza pela afirmação da influência americana, conhecida como Big Stick Policy (Política do Porrete).
Se Rubio for capaz de alinhar a doutrina diplomática Hawk, defendida por ele, aos princípios isolacionistas do MAGA, será um grande alívio para Zelenski, que poderá ter esperanças de algum acordo menos oneroso à Ucrânia em eventuais negociações com a Rússia. Para a OTAN e os aliados do Pacífico (Coreia do Sul, Filipinas, Japão, Austrália e Tawain) também é uma notícia auspiciosa. As chances de um afastamento unilateral mais profundo por parte dos EUA estariam bastante reduzidas ou, pelo menos, seus efeitos seriam amenizadas.
Quem está ainda mais contente é o Premier israelense Binyamin Netanyahu. Com Rubio, é certo o apoio integral a Israel contra o Irã, não podendo ser desconsiderada uma ação mais contundente. O Irã, que tem estabelecido um expansionismo na região via guerras por procuração, financiando grupos terroristas como o Hamas, o Hezbollah e os Houthis. parece ser, inclusive, o único adversário visto por Trump como inimigo íntimo, sem nenhuma possibilidade de negociação.
A indicação de Rubio pode, ainda, abrir um outro flanco para a atuação americana. Filho de imigrantes cubanos e notório conhecedor da realidade política da América Latina, Rubio tem contatos políticos próximos a lideranças de direita no continente, bem como dissidentes de regimes autocratas da região. Sempre manifestou a necessidade dos EUA se aproximarem de seus vizinhos e cuidar do “quintal” de casa. E uma aproximação do país com a América Latina tem três pilares centrais. Em primeiro lugar, a imigração, tema central da campanha de Trump. Grande parte do fluxo migratório para os EUA vem de países do continente, que se deslocam em marcha desde a Venezuela e Colômbia, crescendo ao passar na América Central e desembocar no México, atravessando a fronteira.
A região também é o principal canal de abastecimento do tráfico das drogas que chegam aos EUA, realizado pelos grandes cartéis que se espalham desde o Cone Sul até a fronteira mexicana. Por fim, a presença de ditaduras como Venezuela, Cuba e Nicarágua, alinhadas ao eixo antagônico aos EUA, composto por China, Rússia, Coreia do Norte e Irã, abre espaço para ameaças ao país, e o tema não tem sido enfrentado pelas administrações recentes. Rubio, sempre atento ao continente americano, tem sido a principal voz a clamar por uma maior atenção americana a seus vizinhos.
Considerando os principais pontos de gargalo da geopolítica mundial, a postura adotada por Trump em seu primeiro mandato e suas promessas mais vocais para o segundo, podemos esperar um maior isolacionismo americano, sendo evitadas intervenções militares diretas mundo afora, mas uma guerra declarada de tarifas, sanções e bloqueios estão no cardápio do presidente eleito. A indicação de Rubio, contudo, tende a acomodar tal estratégia para a manutenção da influência americana no mundo.
O resultado líquido desta combinação de doutrinas e práticas de governo ainda não está claro, mas Trump parece disposto a se manter longe das grandes beligerâncias globais, sempre com um porrete de tarifas na mão.