Vivemos uma era em que a pressa não se limita mais ao trabalho, às redes sociais ou ao consumo, a pressa agora chegou ao corpo. O desejo de resultados imediatos, antes expresso em cliques e entregas rápidas, se materializa na busca pela perda de peso em tempo recorde onde medicamentos como Ozempic e Mounjaro tornaram-se protagonistas desse novo comportamento.
Originalmente desenvolvidos para o controle do diabetes tipo 2, estes medicamentos ganharam popularidade por outro motivo: atuam diretamente no sistema digestivo e cerebral, reduzindo o apetite e prolongando a sensação de saciedade. Essas drogas imitam a ação de um hormônio natural (GLP-1) que regula a glicose e o apetite, fazendo com que o corpo “pense” que já comeu o suficiente.
O resultado? Pessoas comem menos, sentem fome com menor frequência e reduzem significativamente o interesse por grandes refeições.
Mas o que muitos veem apenas como uma revolução estética, o setor de gastronomia começa a sentir como uma revolução silenciosa no prato.
Impacto no prato e nos negócios
Uma pesquisa do Morgan Stanley revelou que 63% das pessoas que utilizam medicamentos como Ozempic pedem “consideravelmente menos” ao comer fora do que pediam antes de iniciarem o tratamento, e isso já começa a impactar diretamente o setor de restaurantes.
Notícias recentes mostram que até os grandes templos da alta gastronomia mundial estão se adaptando. O lendário chef Heston Blumenthal, do três estrelas Michelin The Fat Duck, introduziu o menu “The Mindful Experience”, com porções menores e preços ajustados “As pessoas estão buscando se sentir satisfeitas, não cheias”, afirmou.
Nos Estados Unidos, o Olive Garden também revisou seu cardápio, oferecendo porções reduzidas e opções mais leves, menor desperdício, melhor percepção de valor e um público que se sente respeitado nas suas novas escolhas alimentares.
No Brasil, o movimento começa ganhar força. Um artigo recente da Abrasel já registra redes e restaurantes que revisam fichas técnicas, ajustam tamanhos de porções e até testam novos. Em Belo Horizonte, sem muito alarde, casas como Pacato e Per Lui encurtaram seus menus degustação. Na minha experiência recente em São Paulo, onde visitei mais de 20 bares e restaurantes, também percebi a transformação em curso. Algumas casas já adotam o porcionamento “P-M-G” e “meia porção” em seus menus, permitindo ao cliente ajustar a experiência ao seu momento, ao seu apetite, ou até ao seu estilo de vida.
Estamos diante de um divisor de águas?
Por trás da mudança de apetite, há uma questão mais profunda: a sociedade está desaprendendo a conviver com o tempo das coisas. A mesa, esse espaço simbólico de partilha, afeto e pausa, começa a ser substituída pela lógica do controle, da eficiência e da pressa.
Se antes a gastronomia era o lugar do prazer e da celebração, agora muitos a enxergam como uma ameaça ao equilíbrio conquistado a custo de medicamentos. E é aí que nasce o dilema: como manter vivo o prazer de comer em uma sociedade em transformação?
Do ponto de vista dos negócios, o impacto não é apenas comportamental. Ele toca diretamente o modelo de rentabilidade e operação dos restaurantes. Se as pessoas comem menos, o ticket médio tende a cair. Mas, como me ensinou a prática no branding na gastronomia, toda mudança de comportamento pode ser também uma oportunidade de reposicionamento para criar oportunidades. Em conversa com Marcelo Haddad, Chef proprietário do Restaurante Paladino em Belo Horizonte, ele aponta que “porções menores permitem reduzir desperdícios, rever preços e criar novos formatos de experiência”. Ou seja um cliente que pede menos pode experimentar mais duas pequenas entradas, um bebida melhor e até uma sobremesa compartilhada. A economia do prato muda, mas o valor da experiência pode crescer.
Na minha visão, o desafio para as marcas de gastronomia é reencontrar o equilíbrio entre o prazer e a consciência. Sim, as pessoas querem se cuidar. Mas elas também querem continuar a sentir o sabor, o tempo, a companhia. A busca por leveza não precisa eliminar a experiência, apenas transformá-la.
Talvez este seja o momento em que o setor gastronômico precise resgatar algo que o excesso nos fez esquecer: que comer bem é mais sobre qualidade de presença do que quantidade no prato.
O “efeito da dupla Mounjaro e Ozempic” pode até reduzir porções, mas não precisa reduzir o significado. As marcas que entenderem isso e oferecerem experiências que unam sabor, propósito e sensibilidade, continuarão relevantes mesmo em tempos de apetite moderado.
Hora de planejar
Com a aproximação do final do ano, este é o momento ideal para o setor investir em pesquisa e planejamento estratégico para 2026. Compreender as novas motivações do público, seus hábitos de consumo, suas expectativas e restrições alimentares é essencial para desenhar cardápios, modelos de atendimento e posicionamentos de marca mais assertivos. Aqueles que fizerem esse dever de casa com profundidade, e não apenas reagirem às tendências, entrarão no próximo ano prontos para se diferenciar. Mais do que nunca, o setor precisa equilibrar dados e sensibilidade: entender o comportamento para adaptar o negócio, mas sem perder a alma que transforma refeições em experiências memoráveis.
Sim, as marcas de gastronomia estão diante de um divisor de águas. Ignorar a transformação pode custar clientes; compreender e se adaptar pode abrir um novo ciclo de crescimento.
Vamos refletir?
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