A busca por likes e a exposição nas redes sociais estão transformando as viagens em experiências superficiais e tóxicas, onde a validação virtual substitui o prazer genuíno de explorar o mundo
Viajar faz bem para a saúde, atuando como terapia para o corpo e para a mente. Ao sair do cotidiano, o viajante respira novos ares, reduz o estresse e consegue reequilibrar suas emoções. Como abordamos em matérias anteriores, cada novo destino proporciona pausas essenciais para o autoconhecimento, o descanso e a renovação interior. Além disso, é uma oportunidade imperdível para experimentar novas descobertas – seja por meio de experiências, músicas, sabores ou relações interpessoais.
Porém, infelizmente, o que deveria ser uma atividade revigorante pode estar se tornando tóxica e prejudicial.
A tecnologia e o impacto na experiência de viajar
A evolução tecnológica transformou radicalmente a forma de viajar. Permitiu acesso fácil a roteiros, conteúdos e informações, além de simplificar a compra de passagens aéreas, reservas em hotéis ou restaurantes. As redes sociais, por sua vez, criaram uma nova era de compartilhamentos, onde experiências passaram a ser exibidas instantaneamente para o mundo.
Contudo, essa exposição excessiva se tornou uma compulsão, gerando uma inversão de valores, onde a necessidade de compartilhar é maior que a experiência de viajar. As viagens têm se tornado superficiais e instagramáveis, onde momentos autênticos são substituídos pela tela do celular, registrando selfies (auto retratos) usadas para gerar likes (curtidas) e comentários vazios.
O perigo da superficialidade e do Instagramismo

Por que aprender sobre a história de Roma ou fazer um tour guiado pelo Palácio de Versailles, se podemos substituir esse conhecimento por uma selfie em frente ao Coliseu ou na Sala dos Espelhos? Para que visitar restaurantes típicos, frequentados por moradores locais, se podemos trocar por ambientes lotados de turistas subindo nos sofás e girando guardanapos, só para postar nos stories (ferramenta de vídeos do Instagram)?
Quando viajei para um vilarejo no sul da Bahia, próximo a uma reserva Pataxó, fiquei hospedado em um hotel que tinha uma cabeça de Buda em frente a uma piscina de estilo balinês – fotos lindas mas zero autenticidade.

A busca pelo prazer imediato
O prazer imediato gerado pelo like é mais forte que o prazer de longo prazo gerado pelas sensações reais da viagem. A autora Dra. Anna Lembke fala sobre o assunto no livro Nação Dopamina. Segundo estudos, entre 1990 e 2017, o número de novos casos de depressão cresceu 50% mundialmente, principalmente em regiões com o indicador socio demográfico mais alto. Na tentativa de fugir do sofrimento, as pessoas tomam remédios e drogas, maratonam Netflix, buscam as redes socias; qualquer coisa é válida para nos distrair de nós mesmos.

No entanto, toda essa tentativa de nos isolarmos do sofrimento apenas torna nosso sofrimento pior. Segundo a Dra. Lembke, a ciência nos ensina que todo prazer exige um preço, e o sofrimento que se segue dura mais tempo e é mais intenso do que o prazer do qual ele se originou. Esse excesso de dopamina liberado pelas redes sociais acaba trazendo mais ansiedade e sofrimento para as pessoas.
Quando a viagem alheia se torna tóxica para você
Quantas vezes você já sentiu que a rede social inteira estava curtindo as férias de suas vidas enquanto você trabalhava sozinho? Ou precisou trabalhar durante os feriados enquanto todos comemoravam com amigos e família? Talvez, depois de uma viagem maravilhosa, você passou os meses seguintes no Instagram vendo os outros desfrutarem suas viagens e experiências, e sentiu-se vazio, isolado e abandonado.
As redes, ao amplificar essas sensações, criam a falsa ilusão de que a vida dos outros é perfeita e melhor que a nossa, deixando um grande vazio. Paramos de dar valor ao que temos e passamos a desejar o que é dos outros.
Existe um termo em inglês para definir isso, o FOMO – fear of missing out, (medo de ficar de fora, em portugês), que é a sensação de ansiedade diante da possibilidade de não participar de atividades, eventos ou oportunidades, especialmente ao acompanhar o que outras pessoas estão fazendo através das redes sociais. Essa ansiedade pode levar à baixa autoestima, irritação, estresse e até depressão, alimentando um ciclo de insatisfação e vazio emocional.

Ostentação, medo e insegurança
Segundo um artigo publicado por Rony Meisler, fundador e ex CEO da Reserva, o que parece vaidade na internet é, na verdade, uma expressão de medo e insegurança. Aqueles que ostentam o fazem pelo medo de não serem levados a sério ou não atingirem a expectativa dos outros sem a “armadura da aparência”. Essa busca por validação, alimentada pelo medo de não se encaixar, contribui para um ciclo tóxico de prazer versus depressão, onde a recompensa imediata gerada por likes substitui a verdadeira satisfação de experiências genuínas.

Uma reflexão final
Vale refletirmos: nossas viagens estão contribuindo com o que há de tóxico nas redes socais? E se, ao invés de competirmos por quem gera mais conteúdo, transformássemos nossas viagens em vivências autênticas, cuja essência é impossível de ser compartilhada em fotos ou vídeos? Que tal, ao invés de postarmos tanto, relembrarmos o valor de reunir quem realmente importa para contar as experiências da viagem e fortalecer vínculos?