Quando eu era menino, lá em Timóteo, no Vale do Aço (um dos grandes redutos celestes de Minas Gerais), cresci ouvindo uma frase que atravessa gerações: “clássico é clássico e vice-versa”. E junto dela, sempre vinha outra máxima: “em clássico, quem tá pior costuma aprontar”. É claro que essa segunda parte só aparecia quando o rival conseguia uma vitória. Porque, sejamos sinceros, nas décadas de 1990 e 2000 a superioridade do Cruzeiro foi simplesmente avassaladora.
Mas o futebol, esse esporte tão imprevisível, adora brincar com a lógica. Recentemente, essa velha máxima se inverteu, e foi o Cruzeiro quem venceu o “melhor Atlético de todos os tempos”. Era o Cruzeiro mais frágil da história recente, enfrentando o time de Hulk e companhia, e mesmo assim ganhamos por 1 a 0, gol do Airton aos 61 minutos. Um jogo que ficou marcado também pela cena bizarra entre Pottker e Hulk, com troca de xingamentos e expulsões. “Bumbum granada”, lembram? Clássico é isso: imprevisível, tenso e inesquecível.
Trago essa lembrança justamente para reforçar o ponto principal: o Cruzeiro precisa entrar muito atento em campo. Todos os tropeços no Brasileirão vieram em casa e contra equipes da parte de baixo da tabela. Isso é o que mais preocupa. Vamos jogar na Toca IV e o rival chega no limite da zona de rebaixamento, tentando reagir. E é exatamente esse tipo de jogo que costuma trazer mais armadilhas do que facilidades.
Confio no trabalho do Mister Jardim, que já mostrou ser um técnico competitivo, que detesta empatar clássico e, pelo jeito, perder então, nem se fala. Além disso, o Pedrinho é do tipo de presidente que entende o tamanho desses confrontos e sabe como motivar o grupo. Quando a bola rola, todos sabem o que está em jogo.
O Cruzeiro terá desfalques e retornos importantes. O xerife Fabrício Bruno está fora, mas William, Lucas Romero e Kaio Jorge voltam de suspensão. Especialmente a volta do Kaio é animadora: quando ele está em campo, o time ganha mais mobilidade e profundidade ofensiva. Wanderson, que vinha fora por lombalgia, pode reaparecer, e o Christian, que fez trabalhos leves por desgaste físico, deve estar à disposição para formar o trio de meio com Romero e Lucas Silva.
São peças que devolvem o equilíbrio e a identidade do Cruzeiro de Leonardo Jardim, aquele time que pressiona, marca alto e impõe seu jogo, mesmo em clássicos.
Mas é bom lembrar que o futebol é traiçoeiro. Ele é tão popular justamente porque é simples, imprevisível e cheio de variáveis: 22 jogadores, táticas, clima, sorte, arbitragem, detalhes. E um único gol pode mudar tudo. É esse componente de surpresa que faz o futebol ser um reflexo da vida: uma mistura de tensão, emoção e momentos inexplicáveis.
Por isso, o Cruzeiro precisa respeitar o clássico, mesmo sendo favorito. Precisa transformar confiança em concentração. Porque clássico se vence nos detalhes, na entrega e no sangue frio.
E se tudo correr dentro do que o Mister vem construindo, se o time mantiver a cabeça no lugar e jogar o que sabe, a noite de quarta-feira pode terminar do jeito que o cruzeirense mais gosta: sorrindo, comemorando, e fazendo o sinal de seis com as mãos.