Leveza é uma questão de escolha, não de ausência de peso. É saber carregar apenas o que é essencial, tanto na mochila quanto na vida
Fiz o Caminho de Santiago de Compostela. Caminhei mais de 280 quilômetros, saindo do Porto, em Portugal. Foram dias intensos, cheios de paisagens lindas, encontros inesperados e reflexões profundas. Mas uma das experiências mais simbólicas começou antes mesmo do primeiro passo: montar a mochila.
Ali, diante de tudo o que eu poderia levar, veio a pergunta que me acompanhou durante todo o trajeto e que ecoa até hoje: o que realmente vale a pena carregar?
Leveza, descobri, não tem a ver com ausência de peso. Tem a ver com escolha, com discernimento, com coragem de deixar para trás o que já não serve.
Na caminhada, qualquer objeto em excesso pesa. Um casaco a mais, um remédio que você não usou, uma coisa que levou só por precaução. Tudo isso vira incômodo depois de alguns dias. E, ao mesmo tempo, percebi que coisas simples, como um bom par de meias, um creme para dor muscular, um caderno para escrever ou até mesmo meu perfume e meu creme de corpo, eram pesados na balança, mas essenciais no caminho. Pode parecer futilidade para quem vê de fora, mas aquilo me trazia conforto, identidade e bem-estar. Fazia sentido para mim. E só isso já era o suficiente.
Na vida é igual.
A gente carrega histórias, culpas, cobranças e pressões que não nos pertencem mais. Às vezes, nem percebemos, mas estamos andando com a mochila cheia de coisas emocionais que já podiam ter sido deixadas lá atrás: medos antigos, frustrações mal resolvidas, a voz de alguém que um dia disse que você não era capaz. Isso tudo pesa. Cansa. E, muitas vezes, paralisa.
Leveza não é viver sem dor, sem lembranças ou sem desafios. Leveza é aprender a selecionar o que merece espaço. É saber dizer: isso sim, isso não, isso já foi, isso me fortalece, isso já não faz sentido.
E nem sempre isso é simples. Às vezes, para ser leve, é preciso ter força. Porque deixar ir também exige firmeza. Exige olhar com sinceridade para dentro e fazer escolhas conscientes.
Durante o caminho, precisei abrir mão de algumas coisas: carregar menos lanchinhos, jogar fora um par de meias estragado, uma cueca que furou, o sabão de limpeza de roupa — tudo era reavaliado. E, claro, precisei me ouvir mais. E, aos poucos, fui aprendendo a diferenciar o peso que me sustenta do peso que me afunda. Fui percebendo que o essencial, quase sempre, é invisível na balança.
Hoje, quando penso em bem-estar, penso nisso: carregar o que me mantém inteiro, não o que me mantém ocupado. A leveza não é uma promessa de vida fácil. É um estilo de vida mais verdadeiro.
E talvez seja isso que a gente mais precise: parar de tentar andar sem peso e começar a escolher, com mais consciência, o que vale realmente levar com a gente.