Enquanto Fed inicia ciclo de afrouxamento, BC brasileiro mantém juros altos; incertezas fiscal e política em ambos os países complicam projeções para 2025 e 2026
Na última quarta-feira, tanto o Federal Reserve Bank dos EUA quanto o Comité de Política Monetária do Banco Central brasileiro se reuniram para definir suas taxas básicas de juros, enquanto caminharam em direções opostas. O Fed, nos Estados Unidos, cortou em 0,25 ponto percentual a taxa de juros, levando o intervalo para 4% a 4,25%. Por outro lado, o Copom manteve a Selic em 15% ao ano, com um comunicado considerado duro pelo mercado. Apesar da coincidência de calendário, os movimentos refletem realidades macroeconômicas distintas e ajudam a compreender a posição de cada país em seu ciclo econômico particular.
Nos Estados Unidos, a decisão do Fed foi justificada pelo enfraquecimento do mercado de trabalho e pela desaceleração da atividade. Dados recentes do Bureau of Labor Statistics apontam que a inflação ao consumidor acumulada em 12 meses ficou em 2,9% em agosto, já próxima da meta de 2%. Embora o núcleo da inflação – composto pelas atividades mais responsivas ao estoque de moeda da economia e ao mercado de trabalho, como os serviços – siga pressionado, o ritmo de criação de empregos perdeu fôlego e a taxa de desemprego voltou a subir levemente. Esse quadro permitiu ao Fed reduzir o custo do crédito sem transmitir a ideia de que o combate à inflação foi abandonado. O comunicado oficial deixou aberta a possibilidade de novos cortes até o fim do ano, o que foi interpretado pelo mercado como o início de um ciclo de afrouxamento monetário.
No Brasil, o Copom optou por manter a Selic em 15%, mantendo nosso juro de curto prazo o mais elevado entre as principais economias do mundo. O Banco Central justificou a decisão destacando que, apesar de o IPCA de agosto ter registrado deflação de 0,11%, a inflação acumulada em 12 meses continua em 5,13%, bem acima da meta de 3%. Em seu comunicado, a autoridade monetária reforçou que pretende sustentar a taxa em patamar restritivo por um período prolongado, até ter segurança de que a inflação convergirá para a meta. Para além, mencionou riscos relacionados à política fiscal e à trajetória cambial, fatores que podem reverter a tendência de queda dos preços. Para casas como XP e Itaú, o tom do comunicado praticamente descarta cortes em 2025, empurrando o início de uma eventual flexibilização das condições financeiras para 2026.
A reação dos mercados aos anúncios foi distinta. Em Nova York, as bolsas fecharam em alta e as curvas de juros de longo prazo fecharam, refletindo a leitura de que a redução foi calibrada e pode sustentar o crescimento sem reacender a inflação. No Brasil, o real ganhou força logo após a divulgação da decisão, e os prêmios de risco recuaram, em parte porque a manutenção dos juros altos preserva o diferencial de taxas frente aos Estados Unidos. No entanto, analistas chamam atenção para o custo dessa estratégia: o crédito continua caro e a atividade doméstica deve seguir moderada, com impacto sobre consumo e investimento.
O contraste das decisões das duas autoridades monetárias ilustra a assimetria das condições macroeconômicas. Enquanto os americanos já enxergam a inflação perto do alvo e temem mais pelos efeitos de uma desaceleração do emprego, fazendo com que as preocupações em relação à atividade se sobreponham ao estrito controle inflacionário, no duplo mandato do Fed, os brasileiros ainda convivem com preços em alta e vulnerabilidades fiscais, propulsores de pressões inflacionárias. Para os próximos meses, o cenário base é que o Fed continue afrouxando a política monetária, com cortes graduais, ainda que de forma cautelosa, ao passo que o Copom tende a sustentar a Selic em 15% até observar uma trajetória mais consistente de desinflação. Se a inflação brasileira recuar de forma consistente ao longo de 2025, contudo, é possível que a taxa comece a cair, acompanhando em parte o movimento global.
Além dos fundamentos econômicos, o pano de fundo político e internacional aponta para os riscos que podem alterar a trajetória futura dos juros nos dois países. Nos Estados Unidos, pesa sobre a decisão do Fed a necessidade de acomodar os efeitos fiscais das recentes decisões da administração Trump, como o One Big Beautiful Bill Act, que promove uma série de cortes de impostos e mudanças fiscais importantes, envolvendo uma renúncia fiscal de US$ 4,0 a 4,8 trilhões até 2034, de acordo com a Tax Foundation. Considerando que o déficit orçamentário permanece muito elevado, atingindo US$ 345 bilhões em agosto, há dúvidas sobre a sustentabilidade de uma trajetória duradoura de corte de juros. Ademais, os efeitos da política tarifária sobre os preços de bens e serviços ao consumidor tendem a pressionar o Fed nos próximos meses, ainda que tenham aumentado as receitas aduaneiras, contribuindo para uma queda de cerca de 9% no déficit em comparação ao ano anterior. No entanto, a potência fiscal é tímida ante a trajetória de crescimento da dívida soberana e os efeitos inflacionários das tarifas devem se sobrepor aos efeitos atenuadores. Além disso, o quadro geopolítico — tensões no Leste Europeu e no Oriente Médio, além da disputa tecnológica com a China — mantém viva a possibilidade de choques de oferta, capazes de elevar novamente os preços de energia e pressionar a inflação americana. A cereja do bolo das incertezas sobre a política monetária da maior economia do mundo reside, porém, em uma receita bem conhecida pelos brasileiros, que é o risco de ingerência política sobre o Fed promovido por Trump, que contou até com a demissão de uma de suas diretoras.
No Brasil, os riscos políticos e fiscais são ainda mais relevantes. O contexto político interno dispensa maiores comentários e os principais atores já ligaram o modo eleição, antecipando para 2025 os ruídos típicos de anos eleitorais. Por consequência, a discussão sobre novas despesas obrigatórias aumentou a percepção de risco e a estabilização da trajetória de crescimento da dívida já virou assunto para 2027. Assumindo que resida em uma mudança de governo quaisquer perspectivas mais críveis de ancoragem fiscal, o debate eleitoral permeará todo o ambiente econômico até outubro de 2026, o que levará a uma maior volatilidade dos ativos brasileiros, que devem responder às mudanças de vento da política.
No curto prazo, entretanto, podemos esperar que a tendência de perda de valor do dolar continue. O DXY, índice que mede o valor do dolar ante uma cesta de moedas, caiu cerca de 12% desde a máxima do ano até setembro, e com o início do ciclo de corte de juros do Fed, a tendência é que a moeda continue se depreciando, posto que os retornos da compra de títulos americanos cairão nos próximos meses. Esse movimento vem favorecendo as moedas emergentes e a divergência entre as decisões das autoridades monetárias americana e brasileira vai deixar os juros reais brasileiros ainda mais atrativos, atingindo impressionantes 10%, ante cerca de 1,5% para os EUA. O diferencial de juros reais entre os dois países tende a aliviar a pressão sobre o real, que deve ganhar valor nos próximos meses.
Em síntese, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, as decisões recentes de política monetária se desenrolam em um cenário de grande incerteza sobre o futuro, ainda que as condições macroeconômicas das duas economias conduzam a política monetária a caminhos distintos, no curto prazo. No Brasil, essa incerteza é ampliada pelo calendário eleitoral de 2026, que aumenta a imprevisibilidade sobre a política fiscal, tornando ainda mais difícil prever a trajetória da Selic no próximo ano. Nos Estados Unidos, além das variáveis já elencadas, haverá o término do mandato de Jerome Powell como chairman Fed e se espera a nomeação de Stephen Miran – nomeado recentemente por Trump para compor o Conselho de Governadores, estrutura responsável pela direção da entidade – para o cargo, o que sugere uma postura mais expansionista na condução da política monetária, considerando suas posições públicas acerca da atuação de Powell nos últimos anos. Caso se confirme a expectativa, poderíamos esperar que a trajetória de valorização do real se mantenha para 2026, mas seria preciso combinar com Brasília.
No fim das contas, no Brasil já estamos acostumados com incertezas econômicas, mas agora os americanos decidiram entrar no jogo — e suas confusões políticas e institucionais acabam tornando as consequências das nossas incertezas ainda mais imprevisíveis.