Dorli Kamkhagi: ‘A possibilidade de podermos dizer não’

Dorli Kamkhagi: ‘A possibilidade de podermos dizer não’

Como romper com este padrão de ser tão bom, de sempre ajudar e agradar, de estar sempre pronto para o outro?

Será que precisamos ser sempre tão bons e especiais? Este mecanismo de tentar sempre agradar e procurar todas as formas para conquistar as pessoas, esta ânsia por sermos sempre tão queridos e admirados, nos leva a não percebermos que estamos presos em um vazio que nos adoece. Estamos atolados em um lugar no qual a nossa imagem idealizada por nós mesmos acaba nos aprisionando e nos escravizando.

Vamos remeter à psicanálise, na tentativa de ter uma compreensão mais ampliada do nosso mundo psíquico e como a criança vai desenvolvendo os seus vínculos afetivos.

Desde o seu nascimento, o bebê vive em um estado de desamparo muito grande. Ele vai vai precisar de muitos cuidados, alguém que o alimente e aqueça, enfim, que lhe forneça as mínimas condições para poder crescer física, psicológica e emocionalmente.

À medida que vai crescendo, vai tendo outros recursos e se percebe no olhar da mãe, do pai, dos avós. Recebe deles um reflexo de como é visto, e enfim dependendo das próprias condições psíquicas em desenvolvimento para aprender a lidar com o mundo.

Este olhar externo é recebido como estímulo para se sentir novamente alimentado e incentivado. Muitas vezes, esta pessoa vai passar sua vida nesta dependência, na busca deste mesmo olhar e nas mesmas sensações que a fizeram se sentir pertencentes quando criança. Ela pode passar a vida toda indo atrás na busca deste amor, destas mesmas emoções.

Um dos caminhos para conseguir novamente isso é ser alguém muito bondoso, sempre pronto a ajudar. Alguém extremamente solicito, sempre disponível para os outros, mas sem conseguir olhar para dentro de si e ver o que realmente precisa.

Ao longo da vida, vemos pessoas que abdicam de tudo: de seus desejos, ambições e da própria existência. Ao mesmo tempo, essas pessoas estão sempre prontas para satisfazer os desejos e necessidades dos outros, afinal de contas, são muito boas.

Mas onde será que vive o desejo desta pessoa?

Como romper com este padrão de ser tão bom, de sempre ajudar e agradar, de estar sempre pronto para o outro?

Com o passar do tempo, aprendemos que nem sempre o amor do outro pode ser aquilo do que realmente necessitamos. Esse modelo que criamos para nós mesmos pode nos adoecer e até nos matar. Esse lado habituado em agradar e abdicar de si rouba a nossa vida e nossas possibilidades de crescimento. Estamos nos sentenciando a termos vínculos perversos em uma vida sem luz e liberdade.

Assim como precisamos das relações afetivas em nossas vidas, também precisamos entender quem somos e como desfazer estes pactos que nos adoecem. Nunca é tarde para aprendermos a sair deste lugar de sermos “bonzinhos” e saibamos também dizer não!

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Dorli Kamkhagi
Psicóloga e Psicoterapeuta de adultos, casais e famílias, mestre em Gerontologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Doutora em Psicologia Clínica pela PUC-SP, é colaboradora e supervisora de Grupos de Maturidade e Projetos sobre o Envelhecimento do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).

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Dorli Kamkhagi
Psicóloga e Psicoterapeuta de adultos, casais e famílias, mestre em Gerontologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Doutora em Psicologia Clínica pela PUC-SP, é colaboradora e supervisora de Grupos de Maturidade e Projetos sobre o Envelhecimento do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
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