Em 27 de junho de 1975, Brasil e Alemanha Ocidental assinaram um ambicioso acordo nuclear que prometia transformar o Brasil em uma potência no setor. O tratado, considerado pela imprensa alemã como o “negócio do século”, previa a construção de oito usinas nucleares em território brasileiro, com investimentos estimados em 10 bilhões de dólares.
O acordo bilateral contemplava a construção de:
* Quatro usinas no Rio de Janeiro (Angra 2, 3, 4 e 5)
* Quatro usinas em São Paulo (Iguapé 1, 2, 3 e 4)
* Transferência de tecnologia nuclear alemã para o Brasil
* Fornecimento de equipamentos pela Kraftwerk Union, subsidiária da Siemens
O contexto histórico era favorável para ambas as nações. A Alemanha enfrentava uma grave crise econômica com mais de um milhão de desempregados e buscava mercados para sua indústria nuclear. O Brasil, sob regime militar e pressionado pela alta do petróleo, necessitava diversificar sua matriz energética.
No entanto, os resultados foram extremamente decepcionantes. Das oito usinas previstas, apenas Angra 2 entrou em operação em 2001. Angra 3, iniciada em 1986, permanece inacabada após consumir mais de R$ 20 bilhões em recursos públicos.
Segundo pesquisa realizada pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o principal responsável pelo fracasso foi o próprio regime militar brasileiro. De acordo com o cientista político João Paulo Nicolini, “o maior problema foi a falta de interlocução com a comunidade acadêmica, com o empresariado e com a sociedade”.
Os Estados Unidos se opuseram fortemente ao acordo, temendo o desenvolvimento nuclear independente na América Latina. Como resultado, a tecnologia fornecida pela Alemanha (jet-nozzle) era experimental e não funcionou adequadamente, consumindo mais energia do que gerava.
A historiadora Helen Miranda Nunes destaca que “a opção pela tecnologia do jet-nozzle foi muito criticada pelos cientistas nucleares quando veio à tona. Se estivéssemos numa democracia à época, era possível que o acordo não deslanchasse, porque foi secreto e se valeu da privação de direitos da população”.
Os maiores beneficiários do acordo foram as empresas alemãs, especialmente a Kraftwerk Union e bancos alemães que forneceram empréstimos ao Brasil. O professor Rafael Brandão, da UERJ, ressalta que até mesmo a Nuclep, estatal criada em parceria com os alemães, tinha suas decisões finais controladas pela parte alemã.
Cinquenta anos depois, o acordo continua em vigor, sendo renovado a cada cinco anos pelo Parlamento Alemão. Para o Brasil, encerrá-lo significaria abandonar definitivamente o projeto de Angra 3, demonstrando como as consequências deste planejamento mal executado ainda persistem.