Leonardo Luz: ‘A economia da política’

Leonardo Luz: ‘A economia da política’

As expectativas de inflação encontram-se desancoradas e o aumento nos preços dos alimentos, sobretudo, vem castigando a imagem de Lula, principalmente junto ao eleitorado mais pobre, seu grande ativo eleitoral desde 2006

Publicada na última quarta-feira, a rodada de março da pesquisa Genial/Quaest apontou que as popularidades de Lula e de seu governo continuam em franca deterioração, convergindo com os resultados de todos os levantamentos realizados por todos os institutos de pesquisa nos últimos meses. Quando avaliamos as motivações para um desempenho tão ruim, a partir das pesquisas quantitativas e qualitativas disponíveis, concluímos que a inflação dos alimentos e a segurança pública parecem ser os fatores contextuais mais sensíveis para o eleitor. A crise do PIX, de janeiro, também se mostra um componente relevante da perda de confiança do eleitor no atual governo, operando um efeito mais complexo e estrutural, entretanto.

A conjunção de fatores contextuais e estruturais parecem operar o que se chama na ciência de política de conjuntura crítica, que se afigura a situação a avaliação de um determinado partido ou governante é afetada por múltiplas variáveis — crises econômicas, mudanças institucionais, conflitos sociais e dinâmicas eleitorais —  que interagem de forma intensa, criando um ambiente de alta incerteza e potencial transformação política. Os canais de atuação dessas forças podem ser resumidos em duas grandes vias – estruturais e contextuais – que são frutos tanto de decisões equivocadas do governo quanto de transformações sociais em curso no país, e podem ser entendidas sob o arcabouço das teorias da escolha eleitoral e dos ciclos políticos, objetos de estudo das ciências econômica e política.

As mudanças sócio-políticas e culturais – estruturais – envolvem uma gama de fatores e foram abordadas, parcialmente, neste espaço, em texto anterior. Há indícios de uma guinada à direita por parte do eleitorado brasileiro e de uma perda de efetividade de instrumentos tradicionais utilizados pelos governos do PT para angariar apoio político. O Bolsa-Família, por exemplo, foi um mecanismo eficaz para obtenção de resultados eleitorais durante os 13 anos de gestão petista que antecederam o atual governo Lula. Entretanto, há indícios de certo esgotamento do modelo, de modo que parte do público beneficiado pelo programa parece agora entende-lo como uma política de Estado, não mais uma benesse associada a Lula e ao PT. Na mesma direção, é notório o aumento da desconfiança da população nos serviços públicos, bem como uma mudança tanto nas relações de trabalho tradicionais quanto na percepção geral da população acerca do papel do Estado em sua vida, o que tem levado a um maior ceticismo em relação às políticas estatizantes e intervencionistas tradicionalmente defendidas pelas esquerdas. O episódio do PIX parece ser um claro exemplo disto, ao resultar em uma associação da medida proposta pelo governo, na cabeça do eleitor, à uma sanha arrecadatória, fruto de seu descontrole fiscal.  

Se o pilar estrutural do status político do país não parece auspicioso para a esquerda, os instrumentos de controle direto do governo podem ter contribuído para piorar ainda mais o cenário, e os modelos de ciclos político-eleitorais e partidários fornecem uma explicação sólida para as dificuldades enfrentadas pelo executivo. Esses modelos ajudam a explicar como os fatores políticos – sobretudo o calendário eleitoral – influenciam as decisões econômicas e administrativas de governantes incumbentes que buscam a perpetuação no poder, e moldam o funcionamento dos regimes democráticos. Em termos gerais, os modelos de ciclos políticos investigam como os governos manipulam as variáveis econômicas por ele controladas para aumentar suas chances de reeleição, assumindo que a situação toma suas decisões como resposta a incentivos eleitorais que se materializam na escolha dos eleitores ao fim de um ciclo eleitoral.

O trabalho pioneiro dessa abordagem foi publicado em 1975 por William Nordhaus, que propôs que governos incumbentes utilizam instrumentos fiscais e monetários expansionistas antes das eleições para reduzir o desemprego e produzir incrementos no crescimento da economia, o que levaria a um aumento inflacionário no período imediatamente posterior à eleição. Ciente de que a inflação é uma variável que afeta fortemente a aprovação de um governo e assumindo que o eleitor possui uma memória curta, respondendo mais ao status econômico de momento do que ao processo como um todo, uma administração que busque a perpetuação no poder tenderia a utilizar os primeiros anos de um mandato para ajustar a economia, controlando a inflação e aumentando o desemprego, o que criaria as condições para que, nos anos finais do mandato, possa expandir a demanda agregada e produzir uma sensação de satisfação econômica junto ao eleitorado. Em 1977, Douglas Hibbs aprimorou a compreensão do fenômeno incorporando o perfil ideológico do partido incumbente, de esquerda ou direita, como fator influenciador do comportamento situacionista dentro do ciclo eleitoral abordado por Nordhaus. Estudos posteriores incrementaram a abordagem, especialmente ao incorporarem a assimetria informacional entre os agentes envolvidos – governo e eleitores. Os trabalhos de Kenneth Rogoff e Anne Sibert, publicados entre 1988 e 1990, se destacam por incluírem limitações informacionais na avaliação que eleitores fazem de um governo, de modo que o segundo exploraria o ciclo eleitoral por meio de sinalizações da efetividade de sua política junto ao eleitor.

A evolução da hipótese da exploração dos ciclos eleitorais manteve preservado, contudo, o princípio básico de Nordhaus: governantes e partidos exploram o calendário eleitoral, a partir de instrumentos de política econômica, em prol de aumentar suas chances de continuidade no poder. Ainda que a intensidade dos efeitos do calendário eleitoral tenha apresentado diferentes níveis nos estudos empíricos – geralmente, países com instituições mais fortes e maior accountabillity tendem a apresentar ciclos menos pronunciados, enquanto em economias emergentes, os padrões de manipulação eleitoral são mais evidentes – realizados nas últimas décadas, em termos gerais a exploração do calendário eleitoral por incumbentes tem sido identificada nas democracias representativas ocidentais e, no Brasil, as evidências são bastantes sólidas. Diversos estudos indicam que governos frequentemente aumentam gastos públicos e reduzem impostos em anos eleitorais, seguidos de ajustes fiscais posteriores, bem como políticas monetárias mais expansionistas têm sido adotadas em períodos pré-eleitorais, corroborando a hipótese de manipulação econômica para fins eleitorais.

O governo Lula 3, entretanto, foi de encontro ao que estabeleceu a abordagem de Nordhaus em relação ao calendário eleitoral. Desde antes da posse, Lula decidiu governar via instrumento fiscal, incrementando as despesas públicas em cerca de 2% do produto na “PEC da transição”, a fim de distribuir um pacote de bondades que fosse capaz de quebrar a forte resistência a seu governo, oriunda de um processo eleitoral altamente polarizado, disputado e até mesmo contestado. O governo dobrou a aposta nos anos posteriores, incrementando o consumo das famílias para conquistar popularidade. Por resultado, o crescimento do PIB surpreendeu positivamente em 2023 e 2024, o desemprego apresentou os menores números da série histórica e a inflação não se descolou muito de sua média desde a implementação do Plano Real. Os frutos do expansionismo fiscal do governo nos dois primeiros anos de sua gestão, contudo, estão sendo sentidos. As expectativas de inflação encontram-se desancoradas e o aumento nos preços dos alimentos, sobretudo, vem castigando a imagem de Lula, principalmente junto ao eleitorado mais pobre, seu grande ativo eleitoral desde 2006. A reação do Banco Central ante os estímulos de demanda tem levado a juros mais elevados por mais tempo, e já parecem afetar o desempenho da economia, que indica sinais de desaceleração. As medidas que o governo tem adotado para estancar o derretimento de sua popularidade, como a liberação de crédito do FGTS e a reforma do imposto de renda com isenção para rendimentos mensais de até R$5 mil, tendem a estimular ainda mais o consumo e agravar o quadro fiscal levando, consequentemente, a maiores pressões inflacionárias e contração monetária mais alongada por parte do Banco Central. Por resultado, veremos, muito provavelmente, um ano eleitoral marcado por inflação alta e economia em recessão – ou em desaceleração, ao menos.

Ao escolher violar os paradigmas dos ciclos eleitorais, Lula pode ter catalisado os efeitos das mudanças estruturais na sociedade que já não lhe favoreciam. Ao optar por manipular as variáveis econômicas para tentar unificar o país já no início de seu mandato, o governo abriu mão de ter os instrumentos fiscais tradicionalmente utilizados por incumbentes em anos eleitorais para tentar catapultar sua popularidade. Sem espaço fiscal para maiores aventuras, posto que a relação dívida/PIB do país saltou de 72,9% em 2022 para 76,1% em 2024, e com expectativas de atingir até 86% ao final de 2026, novos incrementos de demanda estão mais limitados do que o estariam se o governo tivesse explorado o ciclo político tradicional e, mesmo que Lula continue sua cruzada perdulária, as despesas adicionais pressionarão os juros e a inflação ainda mais. Apostar no crescimento econômico como instrumento político no momento errado pode ter sepultado o projeto de poder petista.

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Leonardo Luz
Doutor em Economia.

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