Os ativos brasileiros despencaram porque o mercado avalia que Flávio Bolsonaro polariza a disputa e reduz as chances de uma oposição moderada vencer Lula em 2026
A última sexta-feira, 5 de dezembro, marcou um dos dias mais turbulentos para o mercado brasileiro em anos. A notícia de que o ex-presidente Jair Bolsonaro havia endossado o nome de Flávio Bolsonaro como seu candidato à Presidência em 2026 provocou uma reação imediata — e violenta — nos ativos domésticos. A moeda nacional sofreu com a disparada do dólar, que avançou mais de 2% e chegou a R$ 5,43. Movimento semelhante foi observado no Ibovespa, que caiu aproximadamente 4,3% — a maior baixa do índice desde fevereiro de 2021. Os títulos públicos de vencimento mais longo também foram duramente afetados. No fechamento daquela sexta-feira, a taxa do Tesouro IPCA+ 2045 saltou para cerca de IPCA + 7,0% a 7,1% ao ano. Em termos de preço unitário, essa elevação abrupta provocou uma desvalorização diária de 1,5% a 2,0% no mercado secundário. A volatilidade levou o Tesouro Direto a suspender temporariamente as negociações do título. Nos pregões seguintes, o derretimento continuou, com a taxa orbitando o patamar de IPCA + 8% ao ano. Em suma: foram os piores dias para os ativos brasileiros em muito tempo.
O pânico adveio da percepção de que a entrada de Flávio Bolsonaro na disputa reduz significativamente a chance de emergência de uma candidatura de centro-direita moderada — e com maior probabilidade de derrotar Lula em 2026. Esse nervosismo encontra respaldo tanto nos resultados das pesquisas quanto na natureza do sistema eleitoral brasileiro.
Em 1951, o cientista político Maurice Duverger propôs um arcabouço teórico que explica a prevalência de polarização em sistemas majoritários de turno único, ao passo que sistemas proporcionais tenderiam ao multipartidarismo. O número de partidos seria, assim, função direta das regras eleitorais. No caso brasileiro, consolidou-se um sistema híbrido: um presidencialismo multipartidário de coalizão, assentado na fragmentação parlamentar, e uma dinâmica majoritária polarizada nas eleições para cargos executivos, disputadas em dois turnos.
Conhecida como Lei de Duverger, essa proposição, aplicada ao contexto brasileiro, ajuda a compreender por que, desde a redemocratização, as eleições presidenciais têm concentrado a disputa em no máximo três candidatos viáveis. A interação entre o efeito mecânico (a tendência estrutural de concentração de votos em candidaturas competitivas) e o efeito psicológico (o voto estratégico, no qual o eleitor evita “desperdiçar” seu voto em nomes com poucas chances de vitória) leva a um estreitamento natural da competição.
O resultado da combinação desses dois efeitos, contudo, não explica a prevalência de uma polarização tão consistente nas disputas presidenciais no Brasil. Posto que as eleições presidenciais ocorrem em dois turnos, com exigência de maioria absoluta dos votos para que uma candidatura seja vitoriosa, há uma tendência a um reposicionamento dos candidatos em um segundo turno para que atraiam os votos do chamado eleitor mediano, que consiste no eleitor representativo do eleitorado como um todo e que se posiciona ao centro do espectro político-ideológico, disposto entre os dois blocos principais. Em termos práticos, se um candidato A está em um polo e uma contraparte, B, no contrário, aquele que se posicionar mais próximo do eleitor mediano tende a angariar o apoio do eleitorado em seu entorno e vence a eleição. Nesse processo, a rejeição — e não a afinidade — torna-se o fator decisivo nas escolhas do segundo turno, fenômeno observável em todas as eleições presidenciais brasileiras realizadas em dois turnos.
Diante desse quadro, fica mais claro o risco que o mercado está precificando com a possível candidatura de Flávio Bolsonaro, que pode beneficiar Lula sob duas hipóteses. Primeiro, ao fragmentar o campo oposicionista à direita, cria-se o risco de que o senador termine o primeiro turno à frente das demais candidaturas desse espectro, garantindo vaga no segundo turno contra Lula. Dado o que se observa nas pesquisas — e no resultado de 2022 —, a rejeição à família Bolsonaro supera a de Lula, tornando esse cenário mais favorável ao atual presidente. Segundo, mesmo que Flávio não vá ao segundo turno, a divisão interna da direita pode produzir uma canibalização das candidaturas oposicionistas, enfraquecendo o candidato que eventualmente enfrente Lula no segundo turno, seja via abstenção de parte do eleitorado bolsonarista, seja por rejeição ao candidato alternativo. Isso reduziria a competitividade da oposição.
Outro elemento reforça o mau humor dos mercados. A entrada de Flávio na disputa coloca sob enorme pressão o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas — claramente o nome preferido do mercado. Com perfil pragmático, tecnocrático, moderado e comprometido com a disciplina fiscal, Tarcísio reúne atributos valorizados pelos agentes econômicos: combina baixa polarização, capacidade de atrair o eleitor mediano e afinidade com as pautas de ajuste macroeconômico. Também possui maior projeção nacional do que outros governadores do campo opositor (como Ratinho Jr., Caiado ou Zema), o que lhe daria vantagem inicial em uma eleição acirrada. Além disso, sua proximidade política com Bolsonaro o torna palatável ao eleitor bolsonarista sem necessariamente herdar integralmente a rejeição associada ao ex-presidente.
Essa proximidade, entretanto, obriga Tarcísio a apoiar a candidatura de Flávio Bolsonaro. Receoso de ser tachado de traidor — estigma devastador na política —, o governador se vê constrangido a endossar um projeto que, se levado adiante, deve empurrá-lo para a tentativa de reeleição ao Palácio dos Bandeirantes, sacrificando a principal aposta do mercado para a sucessão presidencial.
Num cenário ainda mais pessimista, a presença de um Bolsonaro na urna pode transformar a eleição de 2026 em um plebiscito sobre o ex-presidente. Isso pode mobilizar o antipetismo, mas também tende a consolidar a rejeição à família, fortalecendo Lula e podendo levá-lo a uma vitória possivelmente já no primeiro turno.
Em síntese, o mercado está precificando a elevação da probabilidade de um resultado eleitoral adverso ao ajuste fiscal necessário ao equilíbrio das contas públicas. Como consequência, podemos esperar um fim de ano mais volátil e altamente sensível ao noticiário político. Caso a candidatura de Flávio se confirme, 2026 tende a ser um ano tenso para os ativos brasileiros, com risco de interrupção da tendência recente de apreciação — movimento que não foi impulsionado por fundamentos internos, mas pelo enfraquecimento global do dólar. Trata-se, portanto, de um possível movimento contracíclico: enquanto o Federal Reserve sinaliza manutenção ou aceleração dos cortes de juros nos EUA, favorecendo moedas emergentes, o Brasil pode nadar contra a maré por fatores estritamente domésticos.
Por outro lado, uma eventual retirada da candidatura — o próprio Flávio já insinuou haver um “preço” para isso — poderia recolocar o real na rota de valorização frente ao dólar. Em um cenário ainda mais otimista, um acordo entre as forças de oposição poderia levar a família Bolsonaro a endossar um nome de centro-direita mais competitivo já no início do ano. A aprovação do PL da Dosimetria na Câmara e a entrega da relatoria no Senado ao senador Esperidião Amin, aliado de Bolsonaro, são indícios de que tal arranjo pode não estar tão distante.
Se esse alinhamento ocorrer, podemos ver uma inflexão no humor dos mercados e uma valorização significativa dos ativos brasileiros, em meio a um contexto global de dólar fraco, ações descontadas e curva de juros bastante pressionada. Sob as condições adequadas de temperatura política, o temor que derreteu o mercado na última sexta-feira pode dar lugar a uma retomada expressiva dos ativos domésticos. Se há incerteza sobre os movimentos do xadrez político, uma coisa é certa: 2026 será um teste para os nervos dos investidores.