Leonardo Luz: ”A resiliência dos preços do petróleo será testada em 2026”

Leonardo Luz: ”A resiliência dos preços do petróleo será testada em 2026”

Os preços do barril podem cair para a faixa de US$ 50–60, pressionados por um forte aumento da oferta global, uma demanda fraca e uma geopolítica mais estável

A cotação do petróleo — principal ativo energético mundial — está entrando em uma trajetória bastante distinta daquela observada nos últimos anos. Se o período entre 2021 e 2023 foi marcado por escassez e elevada volatilidade, e 2024 e 2025 por uma acomodação relativa, mas ainda com preços superiores à média de 2015–2025 (cerca de US$ 67), 2026 aponta para um cenário de excesso de oferta que tende a levar as cotações a níveis mais próximos aos vigentes até 2020. De acordo com o mais recente relatório da International Energy Agency (IEA), a oferta global deve aumentar substancialmente até 2026, com um crescimento projetado em torno de 2,4 milhões de barris por dia (mbpd). Ao mesmo tempo, a demanda avança de forma modesta, com expectativa de incremento de apenas 690 mil barris diários — muito abaixo dos picos históricos.

            Esse descompasso cria o risco de um excedente global de até 4 milhões de barris por dia — quase 4% da demanda estimada — o que elevaria os estoques mundiais e pressionaria os preços ao longo de 2026. Trata-se de um quadro clássico: oferta crescente, demanda fraca e estoques elevados. Historicamente, essa configuração favorece movimentos de baixa, e diversas casas de análise e organismos internacionais já projetam o brent operando entre US$ 50 e US$ 60 no fim de 2026, com possíveis cenários de estresse que podem empurrar o barril para a faixa de US$ 45 a US$ 65. O prognóstico é de contraste com o que se observou na primeira metade da década, onde o preço do brent orbitou, em termos médios, acima de U$80.

            Para compreender por que o mercado se aproxima de um ciclo baixista, é preciso examinar suas duas dimensões — oferta (produção e estoques) e demanda. Do lado da oferta, as transformações recentes da geografia produtiva tendem a se intensificar. Novas descobertas em bacias offshore, avanços na extração de petróleo de xisto e maiores investimentos em exploração expandem estruturalmente a capacidade global de produção e elevam a participação de países fora da OPEP+ (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) no balanço mundial. É esperado que, em 2026, os Estados Unidos — maior produtor global — atinjam um novo recorde, entre 13,5 e 13,7 mbpd, e países como o Canadá, que deve acrescentar 300 mil barris diários à sua produção, Brasil, que pode superar 4,5 mbpd e a Guiana, novo player relevante e que deve se aproximar de 1 mbpd, aumentem a participação de países fora da OPEP para quase 70% do balanço global.

            Do lado da demanda, a IEA projeta um crescimento de apenas 1 mbpd em 2026, ritmo inferior à média histórica e distante do dinamismo do pós-pandemia. Três tendências fundamentais explicam esse movimento: o aumento da eficiência energética, a eletrificação acelerada da frota — com vendas globais de veículos elétricos já acima de 14 milhões anuais — e a desaceleração econômica em regiões-chave, como Europa e China. Embora a demanda asiática fora da China, especialmente na Índia e no Sudeste Asiático, apresente forte expansão, seu efeito não parece suficiente para absorver toda a nova oferta. Ademais, os mais recentes indicadores revelam uma desaceleração saudável da economia dos EUA, sobretudo no mercado de trabalho, reforçando a hipótese de acomodação do consumo de óleo.

            Quanto aos estoques, segundo componente da oferta, tanto os comerciais da OCDE quanto as reservas estratégicas americanas vêm sendo recompostos desde 2024. A estimativa da IEA indica um aumento de 25 a 45 milhões de barris ao longo de 2026, criando um colchão de segurança que reduz o risco de choques abruptos — salvo eventos geopolíticos inesperados. No caso específico das reservas estratégicas dos EUA, esvaziadas desde o início da guerra na Ucrânia, é provável que a recomposição desacelere por motivos políticos: as eleições de meio de mandato são decisivas para Donald Trump, e manter preços moderados na bomba (e nas prateleiras dos mercados) será crucial para as ambições republicanas de manter a maioria nas duas casas legislativas. As vitórias democratas nas principais eleições ocorridas em 2025, em grande parte motivadas pela frustração dos eleitores com a dinâmica dos preços na economia, torna ainda mais plausível a expectativa de que a Casa Branca evite ações que pressionem a demanda e elevem o preço do barril em ano eleitoral.

            Ainda que o cenário base favoreça preços mais baixos, o petróleo permanece altamente sensível a fatores geopolíticos. Um choque negativo de oferta ou uma ação coordenada da OPEP+ sempre pode reverter o ciclo. No entanto, os vetores exógenos hoje parecem mais inclinados a produzir impactos baixistas. No Oriente Médio, os conflitos estão em rota de amenização. As tensões entre Israel e Irã — e seus aliados paramilitares — diminuem gradualmente, e já não há sinais de escalada para um confronto aberto. A percepção sobre a nova liderança síria também se suaviza, simbolizada pelo recente e amistoso encontro entre Ahmed al-Sharaa e Trump. De modo geral, a expectativa é de que a região do Levante esteja mais estável em 2026 do que nos anos recentes.

            No Leste Europeu, o quadro é semelhante. A possibilidade de um acordo — mesmo parcial — entre Rússia e Ucrânia nunca esteve tão próxima e pode ser anunciado a qualquer momento. A guerra, iniciada em 2022, gerou um relevante prêmio de risco ao petróleo, tanto pelas interrupções nas exportações russas quanto pelas mudanças em rotas logísticas e restrições de seguros marítimos. Um acordo minimamente estável teria dois efeitos imediatos: reduziria o prêmio de risco e permitiria a reintegração parcial do petróleo russo ao mercado global sem restrições severas. Atualmente, a Rússia exporta mais de 7 mbpd, porém com descontos e submetido a rotas com logística mais dispendiosa (incluindo venda clandestina). Uma normalização parcial poderia adicionar entre 400 mil e 800 mil barris diários ao mercado — volume suficiente para empurrar o o preço para abaixo de US$ 55, sobretudo se coincidir com a alta dos estoques e da produção norte-americana. Diversas casas de análise estimam que um acordo de paz poderia levar o brent à faixa de US$ 48–52 no primeiro semestre de 2026.

            Nesse cenário, restaria à OPEP+ recorrer a cortes de produção coordenados para sustentar preços. O cartel historicamente consegue reduzir a oferta quando necessário, e a Arábia Saudita — seu principal membro — já sinalizou desconforto com preços abaixo de US$ 70, dado que seu equilíbrio fiscal exige algo entre US$ 76 e US$ 80. A dúvida é se os países estarão dispostos a cortes voluntários significativos em um contexto de paz no Leste Europeu, que tende a reduzir a necessidade de alinhamento entre sauditas e russos. Além disso, como já destacado, a oferta global tem se tornado progressivamente menos dependente dos países da OPEP+, diminuindo sua capacidade de influenciar o mercado. As estimativas sugerem que, mesmo com um corte agressivo — algo improvável sem forte coordenação russo-saudita — o mercado convergiria para um equilíbrio próximo de US$ 60.

            O cenário projetado para 2026 é positivo para consumidores e países importadores, mas desafiador para as petroleiras. O mercado já antecipa essa dinâmica: hedge funds e fundos macro reduzem posições compradas desde meados de 2025, enquanto fundos de estratégia quantitativa ampliam posições vendidas. O movimento deve repercutir nas ações das petroleiras listadas em bolsa, cujas cotações têm se mantido estáveis nos últimos meses, mas podem enfrentar compressão de margens e menor geração de caixa. Empresas com custos de extração mais baixos — como produtoras do Golfo Pérsico e algumas petroleiras brasileiras — tendem a atravessar 2026 com mais resiliência do que players de custo marginal elevado. Isso pode abrir uma cunha relevante entre o valuation de grandes majors internacionais e o da Petrobras, criando oportunidades para investidores que aceitem operar commodities em ciclos de baixa.

            Em suma, o setor de energia global precisará ajustar investimentos e decidir entre expandir produção ou acelerar a diversificação para fontes renováveis. A combinação de oferta elevada, preços moderados e incerteza sobre a demanda fragiliza a lógica tradicional de investimento em petróleo. Tudo indica que 2026 será um ano de cautela, não de exuberância. O petróleo continuará relevante, mas com retornos moderados e risco consistente de superoferta — distante do cenário vigoroso que marcou os últimos anos.

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Leonardo Luz
Doutor em Economia.

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