Da formação dos preços à lógica do risco, a teoria de oferta e demanda revela por que o mercado ilegal se mantém estável mesmo sob repressão e como a economia pode apontar caminhos para políticas mais eficazes
No final do século XIX, um economista britânico ajudou a transformar a economia em uma ciência visual, Alfred Marshall. Foi ele quem deu forma ao famoso “gráfico tesoura”, onde as curvas de oferta e demanda se cruzam como lâminas apontando para o ponto de equilíbrio, o preço que harmoniza o interesse de quem compra e de quem vende. Marshall, professor de Cambridge, popularizou o termo “oferta e demanda” e tornou esse diagrama o coração da economia neoclássica, capaz de explicar desde o preço de um tomate até o valor de um barril de petróleo.
No fundo, o preço de praticamente tudo, de uma saca de café a um apartamento em São Paulo, depende do equilíbrio entre oferta e demanda. Quando há muito de um bem e poucos interessados, o preço tende a cair. Quando o bem é escasso e a procura é alta, o preço dispara.
Pense, por exemplo, em uma porção de terra no meio do nada, sem estrada, luz ou água. A demanda é quase inexistente e, portanto, o valor é baixo. Agora imagine a mesma área de terra localizada na Avenida Paulista, ali, onde o espaço é limitado e o interesse de empresas e investidores é intenso, o preço se multiplica. O mercado ajusta o valor para equilibrar essa disputa, é a tesoura de Marshall agindo na prática, cortando o excesso de oferta ou de demanda até encontrar um ponto de estabilidade.
Para cada produto que encontramos nas prateleiras, o comportamento do consumidor pode variar. Em alguns casos, é bastante previsível, em outros, totalmente sensível ao preço. Pense no sal de cozinha, quando o pacote acaba, você simplesmente vai ao supermercado e compra outro. Eu faria o mesmo. Nem eu nem você costumamos verificar o preço do sal antes de colocar no carrinho. Na economia, bens com esse tipo de comportamento são chamados de bens inelásticos, produtos cuja demanda não se altera significativamente, mesmo quando o preço sobe ou desce. Ou seja, não importa o preço, você continuará comprando.
Mesmo nos mercados ilegais, como o tráfico de drogas, a lógica econômica continua valendo. A oferta é limitada pelos riscos da produção e do transporte, enquanto a demanda permanece estável ou até crescente, impulsionada por fatores sociais e comportamentais. O resultado é um preço artificialmente alto, que reflete não apenas o custo da substância, mas também o “prêmio pelo risco” que cada intermediário assume ao operar na ilegalidade. É por isso que, apesar das políticas de repressão, o valor final do produto tende a se manter elevado, o risco é incorporado ao preço e, com a rentabilidade maior, paradoxalmente, atrai ainda mais gente disposta a ofertar drogas.
Sempre que existir demanda por drogas, haverá alguém disposto a ofertá-las. No caso das drogas, como em qualquer outro mercado, quanto maior o risco envolvido, maior é o retorno, simplesmente porque o perigo é incorporado como parte do custo. O comportamento do usuário, por outro lado, obedece à mesma lógica do consumo de um bem inelástico, acabou a droga, ele vai comprar de novo, assim como no caso do sal. O consumo recorrente das drogas mantém a demanda constante, o que torna o mercado estável, mesmo diante de políticas repressivas. A economia, nesse ponto, é implacável, ela segue funcionando.
A lógica é simples. Se o tráfico responde a incentivos econômicos como preço, risco, lucros e alternativas de renda, então é pela mudança desses incentivos que se ataca o problema de forma mais duradoura. Políticas que reduzem a demanda (tratamento, redução de danos, programas sociais) diminuem a base de consumidores; ações que enfraquecem a rentabilidade (controle financeiro, rastreio do dinheiro, apreensões de patrimônio) reduzem o retorno financeiro; e alternativas econômicas ao tráfico (desenvolvimento regional, educação e inclusão produtiva) atacam as fontes de oferta. Em suma, aplicar a teoria econômica ao desenho de políticas públicas transforma o que hoje é uma guerra de efeitos imediatos em uma estratégia de resultados sustentáveis.