Said Santana: ‘O Brasil e o medo do novo’

Said Santana: ‘O Brasil e o medo do novo’

O Nobel de Economia de 2025 nos lembra que o progresso exige destruição criativa, um “tumulto” do qual nossa cultura ainda foge, privilegiando a criação destrutiva sobre a inovação real

Todos os anos, o Prêmio Nobel de Economia nos oferece uma lente privilegiada para observar os grandes dilemas e as novas fronteiras do pensamento econômico contemporâneo. Em 2025, a escolha da Academia Sueca recaiu sobre Joel Mokyr, Philippe Aghion e Peter Howitt, “por terem explicado o crescimento econômico impulsionado pela inovação”.

Considerei essa escolha especialmente feliz, pois sou um grande entusiasta de Joseph Schumpeter, o economista austríaco que, há quase um século, descreveu o capitalismo como um processo contínuo de “destruição criativa” — no qual o progresso técnico e a inovação desestabilizam antigas estruturas econômicas para abrir espaço a novos setores e oportunidades.

Na minha tese de doutorado, defendida na cidade do Porto (Portugal), utilizei como epígrafe uma das frases mais instigantes de Schumpeter: “Progresso econômico, na sociedade capitalista, significa tumulto.” A provocação continua atual. Afinal, os laureados de 2025 avançaram justamente sobre esse terreno — traduzindo o “tumulto criativo” schumpeteriano em modelos teóricos e políticas públicas concretas.

Schumpeter lembrava que todo avanço econômico verdadeiro nasce do desconforto — do choque entre o novo e o estabelecido. É o preço da criatividade. Em países como o Brasil, porém, esse choque costuma ser abafado.

Se a energia elétrica tivesse sido inventada aqui, provavelmente não teria prosperado, porque o sindicato dos produtores de vela organizaria protestos, alegando “ameaça aos empregos” e “falta de diálogo com a categoria”. Mas é justamente esse embate que move o progresso: a indústria de velas precisa ser destruída para que a energia elétrica possa existir.

É disso que Schumpeter falava ao cunhar o termo “destruição criativa” — o processo pelo qual a inovação derruba o velho para permitir que o novo floresça. E, ao aceitar essa tensão inevitável, a sociedade avança.

Se por um lado a destruição criativa é o motor do progresso, por outro existe o fenômeno inverso — a criação destrutiva. Nesse caso, novas tecnologias não trazem ganhos reais de produtividade ou bem-estar. São inovações que parecem progresso, mas não geram valor efetivo.

Frequentemente, criam-se modismos tecnológicos que deslocam empregos, concentram renda e geram dependências artificiais, sem melhorar de fato a vida das pessoas. É quando o novo deixa de ser avanço e vira apenas substituição — uma inovação estéril, que destrói mais do que cria.

O setor financeiro talvez seja o exemplo mais claro. Todos os dias surgem novos produtos de investimento — fundos temáticos, derivativos exóticos, criptomoedas “revolucionárias”, carteiras “inteligentes” — vendidos sob o rótulo da modernidade e da diversificação. Na prática, porém, boa parte dessas inovações não gera ganhos reais; ao contrário, traz complexidade, custos ocultos e frustração. São criações movidas mais pelo marketing do que pela eficiência econômica. Resultado: muita “inovação financeira”, mas pouco progresso financeiro.

Foi justamente essa fronteira entre a inovação produtiva e a inovação especulativa que os vencedores do Nobel de 2025 buscaram compreender.

Philippe Aghion e Peter Howitt, inspirados por Schumpeter, mostraram que o crescimento econômico de longo prazo depende da capacidade de uma sociedade em gerar e absorver inovações que aumentem a produtividade real, e não apenas de invenções que movimentem capital. Em seus modelos de crescimento endógeno, a inovação é um processo competitivo e dinâmico: cada nova tecnologia substitui a anterior, mas o progresso só ocorre se o novo realmente criar mais valor do que destrói.

Já Joel Mokyr trouxe uma dimensão histórica e cultural. Ele demonstrou que o sucesso econômico das nações depende menos da existência de tecnologia e mais da cultura e das instituições que a sustentam — sociedades abertas à crítica, à experimentação e ao risco. Onde predomina o medo do novo, a inovação morre na prancheta.

Em outras palavras, os três laureados ajudam a responder uma das perguntas centrais do nosso tempo: como transformar invenção em prosperidade. Nem toda criação é progresso; nem toda novidade é inovação. O que diferencia um ciclo virtuoso de crescimento de um mercado saturado de promessas vazias é a qualidade das instituições e dos incentivos que moldam o uso da tecnologia.

O Brasil é um caso emblemático de como inovar, por si só, não garante progresso. Há no país um entusiasmo cíclico pela “modernização”: governos, bancos e empresas lançam programas e slogans em torno da inovação. No entanto, os resultados concretos em produtividade e competitividade seguem decepcionantes. Criamos produtos, aplicativos e “startups”, mas raramente transformamos isso em ganhos estruturais de eficiência.

Parte desse problema está naquilo que Aghion e Howitt chamariam de “desconexão entre inovação e difusão” — a tecnologia até surge, mas não se espalha. Fica restrita a poucos grupos, enquanto boa parte da economia continua operando em padrões antigos. Soma-se a isso uma burocracia sufocante, um sistema tributário disfuncional e uma educação que ainda forma consumidores de tecnologia, não criadores.

Além disso, o Estado brasileiro oscila entre dois extremos: a omissão e o controle. Ou se ausenta, deixando a inovação refém do mercado, ou tenta controlá-la, transformando-a em instrumento político. Em ambos os casos, o resultado é o mesmo: baixo retorno social. Poucas empresas inovam de fato, e as que inovam dificilmente crescem. Falta um ambiente que premie o risco e aceite o fracasso — condições indispensáveis para a destruição criativa florescer.

Enquanto países desenvolvidos concentram esforços em ciência, pesquisa aplicada e competitividade global, o Brasil ainda discute o básico: se é viável investir em inovação num cenário de instabilidade fiscal e insegurança jurídica. Mas sem inovação, não há saída para o subdesenvolvimento. Como lembra Mokyr, o atraso não é apenas tecnológico — é também cultural: o medo do novo disfarçado de prudência.

O Prêmio Nobel de Economia de 2025 não é apenas uma homenagem a três grandes acadêmicos, mas um lembrete sobre a natureza incômoda do progresso. A inovação carrega em si o germe da destruição — e é justamente esse choque entre o velho e o novo que move a economia adiante. O problema começa quando as sociedades tentam evitar o conflito e preferem o conforto das velas enquanto o mundo já descobriu a eletricidade.

Mokyr, Aghion e Howitt mostram que o crescimento sustentável exige instituições que permitam o florescimento do novo, mesmo que isso custe a obsolescência de setores inteiros. Inovar é um ato de coragem coletiva — um pacto social com o desconhecido.

O Brasil ainda resiste a aceitar que o progresso é, por natureza, turbulento. Queremos o crescimento sem o desconforto. Desejamos a modernidade sem abrir mão dos privilégios do passado. O resultado é um país onde, muitas vezes, a criação se transforma em “criação destrutiva”: mais ruído que avanço, mais promessa que resultado.

Talvez seja hora de resgatar o espírito provocador de Schumpeter e entender que o verdadeiro desenvolvimento não é linear, nem tranquilo. O progresso econômico, na sociedade capitalista, significa tumulto — e negar essa verdade é o mesmo que apagar a luz e voltar a acender velas.

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Said Santana
Said Aad Aziz Alexandre Santana é economista Ph.D. Com 22 anos de experiência no mercado financeiro, é fundador e CEO do Grupo Rentabilidade Pérola Holding.

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Said Aad Aziz Alexandre Santana é economista Ph.D. Com 22 anos de experiência no mercado financeiro, é fundador e CEO do Grupo Rentabilidade Pérola Holding.
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