Leonardo Luz: ‘O ajuste impossível: entre a planilha e o plenário’

Leonardo Luz: ‘O ajuste impossível: entre a planilha e o plenário’

A derrota da MP do IOF escancarou a dificuldade de equilibrar contas públicas e alianças em um Congresso cada vez mais resistente a medidas impopulares

O recente embate entre Executivo e Legislativo pelo aumento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) desencadeou uma das derrotas mais expressivas do governo no Congresso em 2025. A MP 1.303/2025, que continha alternativas para compensar o recuo do IOF, foi oficialmente retirada de pauta pela Câmara dos Deputados em 8 de outubro, perdendo validade. A derrota mostrou, mais uma vez, a fragilidade da base de apoio do governo no Congresso e desencadeou uma série de demissões promovidas pelo executivo em cargos ocupados por indicados de parlamentares do centrão, em uma punição inédita promovida pelo governo a congressistas infiéis.

            Para além das consequências políticas da derrota governista, a decisão parlamentar acendeu mais um sinal de alerta sobre as contas públicas. A medida provisória fora editada como resposta ao decreto presidencial que elevava alíquotas do IOF, com o objetivo de aumentar receitas e equilibrar as contas federais. Entre os mecanismos propostos estavam a tributação de aplicações financeiras atualmente isentas, como LCI, LCA, CRI, CRA e debêntures incentivadas; o estabelecimento de alíquotas uniformes do IR para títulos, incluindo criptoativos e outros ativos hoje com isenção parcial; e o aumento da alíquota da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) para instituições financeiras que atualmente pagam taxas menores. Do lado das despesas, integravam o pacote cortes e revisão de benefícios fiscais. Segundo estimativas do Ministério da Fazenda, a MP poderia render cerca de R$ 10,5 bilhões em 2025 e entre R$ 20,6 bilhões e R$ 21,8 bilhões em 2026, caso fosse aprovada em versão próxima à original.

            O ministro – bombeiro de todas as horas – Fernando Haddad minimizou o impacto da derrota nas projeções orçamentárias da União, alegando que a renúncia fiscal teria um impacto “muito pequeno”. Emendou, porém, que o governo precisará agir para recompor o espaço fiscal e garantir o cumprimento das promessas de campanha de Lula. A tarefa, contudo, não parece nada fácil, uma vez que, de acordo com estimativas do relatório de mercado Prisma Fiscal, as projeções orçamentárias para 2025 e 2026 apontam, respectivamente, para um déficit primário central de mais de R$67 bilhões e R$80 bilhões, o que inviabilizaria o cumprimento da meta de superavit primário de 0,25% do PIB pra 2026, prevista no arcabouço fiscal (sim, ele ainda existe!). O resultado pode ser ainda pior se considerarmos as projeções do IFI (Instituição Fiscal Independente) do Senado, que estima um déficit efetivo de até R$103 bilhões para 2026, o que representa cerca de 0,7% do PIB.

            O ministro prometeu entregar a Lula, o mais rápido possível, uma alternativa à perda da arrecadação esperada. Entre as medidas que se especula estarem sendo analisadas pelo governo, estão o bloqueio ou contingenciamento de emendas parlamentares (estimado inicialmente entre R$ 7 bilhões e R$ 10 bilhões), cortes ou desaceleração no ritmo de execução de despesas de ministérios com alto gasto operacional ou investimento, reajustes ou mudanças em regimes tributários existentes e a revisão de isenções e benefícios fiscais concedidos a setores específicos.

            O conjunto de medidas, no entanto, parece muito pouco crível para atingir a meta fiscal. Politicamente, está clara a fragilidade do Executivo em aprovar medidas que impactam diretamente setores com forte lobby no Congresso, o qual também resiste em chancelar aumentos de tributos ou encargos considerados impopulares. O corte na distribuição de emendas parlamentares promete uma resistência ainda maior por parte dos parlamentares, que não estão dispostos a reduzir o fluxo de recursos para suas bases eleitorais – sobretudo em ano de eleições.

            A notável fragilidade política do Executivo no Congresso, somada à explícita antecipação do calendário eleitoral por parte do governo, tende a agravar o quadro. Nos últimos meses, a retórica do governo em relação ao Congresso Nacional tem se tornado visivelmente mais ríspida, à medida que o Palácio do Planalto busca emplacar uma agenda populista com os olhos já postos nas eleições de 2026 — medidas de alívio no Imposto de Renda, subsídios ao gás, à conta de luz e à mobilidade urbana. A resistência do Congresso tem sido tratada pelo Executivo como um entrave político, e essa postura — reiterada, por figuras do governo, em discursos públicos e nas redes sociais  — tem aprofundado o desgaste entre os dois poderes e alimentado um clima de desconfiança mútua. E, para piorar, o governo vem questionando a distribuição de emendas, com o beneplácito do STF, arrastando ainda mais o Judiciário — como se já não bastassem os conflitos previamente estabelecidos — para o centro da crise entre Executivo e Legislativo.

            Essa deterioração na relação entre os poderes pode comprometer a tramitação de pautas de caráter fiscal, acentuando o quadro de paralisia decisória em um momento em que o país precisaria justamente de coordenação política para conter o risco de desarranjo orçamentário em 2025. O aumento da incerteza fiscal eleva a possibilidade de o governo depender ainda mais de medidas emergenciais ou improvisadas e, acima de tudo, cresce o risco de revisão da meta de 2026, o que acarretaria uma perda ainda maior de credibilidade fiscal, gerando pressão sobre juros, câmbio e inflação.

            Em suma, as dificuldades políticas do governo em assegurar a meta fiscal refletem não apenas limitações técnicas de arrecadação ou de contenção de despesas, mas, sobretudo, um ambiente institucional disfuncional, no qual a negociação entre os poderes se mostra cada vez mais onerosa e imprevisível. A combinação entre pressões por aumento de gastos, resistência parlamentar a novas fontes de receita e a crescente tensão entre os poderes coloca em xeque a já combalida credibilidade do arcabouço fiscal proposto pelo Executivo. Sem uma recomposição sólida da base de apoio e um discurso fiscal coerente, o governo corre o risco de ver suas metas convertidas em mera sinalização política — o que, além de comprometer a confiança do mercado, pode aprofundar a sensação de paralisia e fragilidade na condução econômica do país.

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Leonardo Luz
Doutor em Economia.

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