A eficácia da IA depende menos da tecnologia e mais da capacidade das empresas de integrá-la aos seus processos
Nos últimos anos, o investimento em inteligência artificial transformou-se na força motriz dos mercados globais, alimentando desde a mineração de urânio e o fornecimento de energia para data centers até o topo da cadeia — empresas que desenvolvem aplicações corporativas de IA, capazes de multiplicar a produtividade e abrir novas fontes de receita. Esse influxo massivo de capital, estimado em trilhões de dólares, inflou os market caps das big techs, como a Nvidia — agora com valor de mercado superior a US$ 4 trilhões —, e impulsionou startups como a OpenAI, hoje avaliada em cerca de US$ 500 bilhões. Porém, movimentos disruptivos, como o surgimento da DeepSeek chinesa, desafiaram esse domínio, reduzindo em trilhões a capitalização das gigantes e lembrando que, embora o hype dos mercados e os investimentos sejam impressionantes, a sustentabilidade de valor depende da eficácia real da tecnologia e da capacidade das empresas de entregar resultados concretos.
A aplicação de ferramentas de IA em processos corporativos assume, assim, o caráter de imperativo competitivo. O gasto global com GenAI (IA generativa) deve ultrapassar US$ 640 bilhões em 2025, segundo o Gartner, uma das maiores empresas globais de pesquisa e consultoria em tecnologia da informação, e nenhuma grande companhia parece disposta a ficar de fora dessa onda. Mas se, de um lado, multiplicam-se os anúncios de copilotos e agentes virtuais, de outro cresce o número de executivos frustrados com os resultados da incorporação de modelos de linguagem aos seus negócios.
O recente estudo do Massachusetts Institute of Technology (MIT) sobre aplicações de inteligência artificial em empresas colocou lenha na fogueira e trouxe à tona uma discussão relevante para investidores, gestores e reguladores: ao organizar as aplicações em usos operacionais, estratégicos e de melhoria de produtividade, o estudo revela como as organizações estão experimentando, adotando e, por vezes, enfrentando dificuldades com a implementação de soluções de IA.
O relatório, intitulado The GenAI Divide: State of AI in Business 2025, foi baseado em entrevistas com stakeholders de empresas que vêm incorporando ferramentas de IA em seus negócios e na análise de 300 casos públicos de uso em ambientes corporativos. As conclusões não são auspiciosas. De acordo com o levantamento, apenas 5% dos projetos avaliados apresentaram retornos financeiros significativos. A magnitude dos fracassos, segundo os autores, reside sobretudo nas dificuldades em desenvolver um aprendizado consistente no ambiente corporativo, de modo que as ferramentas sejam utilizadas de forma eficiente pelos colaboradores, bem como nas limitações dos modelos de linguagem em absorver e replicar os fluxos de trabalho das corporações. Tais fluxos são parte da cultura de cada empresa, e modelos generalistas, como ChatGPT, Llama e Gemini, têm se mostrado incapazes de se adaptar plenamente aos usos e costumes organizacionais, reduzindo seu efeito sobre a performance.
O método de incorporação dos modelos de linguagem ao cotidiano corporativo parece potencializar tanto os casos de sucesso quanto os de fracasso. De acordo com o relatório, 67% das empresas que adquiriram as ferramentas de desenvolvedores especializados obtiveram êxito em sua implementação, ao passo que resultado diametralmente oposto foi observado naquelas que optaram por uma adoção unilateral e internalizada. O que trava a captura de valor não é a falta de modelos poderosos, mas o básico: dados ruins, ausência de governança, custos imprevisíveis e a dificuldade de obter retorno sobre o investimento em escala.
É esperado, no entanto, que os obstáculos sejam superados com o tempo. As corporações tendem a aprender com seus próprios fracassos e as ferramentas devem, progressivamente, destravar valor para os negócios. Ocorre, porém, que o pouco que ainda sabemos sobre os desafios de implementação abre caminho para uma nova corrida entre as principais potências — EUA e China — em busca desse gatilho de valor, para além da disputa por melhores modelos de linguagem e maior disponibilidade de hardware.
Até agora, vimos empresas chinesas e americanas correndo contra o tempo para desenvolver modelos de GenAI mais poderosos. Para tanto, investimentos maciços foram realizados em data centers, em modelos de linguagem e em geração de energia. O lançamento da DeepSeek chinesa, no entanto, mostrou ser possível desenvolver ferramentas eficientes com custos computacionais e energéticos consideravelmente menores do que aqueles que vêm sendo praticados pelas big techs americanas. Isso reforça as conclusões do relatório do MIT e torna o elo das aplicações corporativas o locus do verdadeiro destrave de valor de toda a cadeia de IA. E os chineses podem sair na frente nessa corrida.
Se os pesquisadores do MIT concluíram que a incorporação compartilhada de ferramentas de IA, envolvendo desenvolvedores e aplicadores, é mais eficaz, a China parece possuir o ecossistema mais adequado para integrar os elos da cadeia e melhorar a performance das aplicações. Como os ganhos de escala necessários para potencializar os ganhos operacionais da implementação das ferramentas estão relacionados ao processo integrativo de aprendizagem e internalização nos processos corporativos, a unificação de dados e interfaces residentes nos superapps chineses — sendo o WeChat o mais importante — oferece a base necessária para o treinamento e aprimoramento dos modelos. Nesse ambiente, informações de pessoas físicas e empresas estão concentradas em uma base invejável para os americanos. Ademais, a ditadura chinesa não precisa lidar com as questões de privacidade, tão caras à democracia dos EUA.
Se um ambiente profícuo para a obtenção de ganhos de produtividade com a implementação da IA nas empresas implica geração de energia ampla e barata, hardware especializado acessível, plataformas de modelos mais acessíveis, dados corporativos limpos e estruturados e ferramentas de orquestração que controlem custos e segurança de forma compartilhada, um primeiro olhar indica que deveríamos observar com atenção o que está sendo feito no gigante asiático. Com oferta abundante de energia (via geração solar, eólica e nuclear), modelos menos intensivos em hardwares de computação acelerada e um ambiente de dados regulado, unificado, estruturado e livre de amarras legais, a China pode sair na frente para alcançar o verdadeiro diferencial competitivo da cadeia.