Guilherme Paixão: ‘O clássico que para BH — quase que literalmente’

Guilherme Paixão: ‘O clássico que para BH — quase que literalmente’

Quando Atlético e Cruzeiro se encontram, BH respira rivalidade — e ninguém escapa

Não é só futebol. É o horário do seu ônibus que muda, o trânsito que trava no Anel Rodoviário, o colega que falta à aula, o bar que enche duas horas antes da bola rolar. Em Belo Horizonte, quando tem Atlético x Cruzeiro, todo mundo é convocado — querendo ou não.

O clássico mexe com a cidade de um jeito difícil de explicar pra quem vê de fora. Não é só um jogo entre dois times. É uma divisão afetiva, geográfica, emocional — que atravessa ruas, famílias, grupos de WhatsApp e escalas de trabalho.

E agora ele volta em grande escala, em dois jogos válidos pelas quartas de final da Copa do Brasil, ambos às 19h30 (para atrasar todo mundo que insiste em ignorar a relevância da partida).

Um na Arena MRV, novinha, encravada na região Noroeste, com capacidade para 45 mil pessoas. O outro no Mineirão, na Pampulha, velho conhecido de 60 mil lugares que já viu de tudo.

BH sempre foi uma cidade de dois lados. Às vezes isso aparece no sotaque, na política, no gosto musical. Mas nunca fica tão evidente quanto no futebol. O clássico é um espelho da cidade. Só que um espelho torto, inclinado, rachado — onde o atleticano vê uma coisa, o cruzeirense vê outra, e ninguém está completamente errado.

A rivalidade em Minas é diferente. Aqui só tem dois grandes times. Diferente de São Paulo ou do Rio, onde o amor é dividido entre três, quatro clubes, em Minas é um ou outro. Não tem escapatória, não tem meio-termo.

Todo mundo conhece alguém do lado de lá. E o mais curioso é que, muitas vezes, é justamente aquela pessoa que você ama, admira, torce pelo sucesso… mas durante 90 minutos, a sua felicidade depende da tristeza dela.

É uma rivalidade feita de lembrança. De provocação contida. De trauma silencioso que o mineiro carrega com certo orgulho. Aqui, quem perde não esquece. E quem ganha, faz questão de fazer o rival se lembrar.

A Arena MRV virou símbolo recente de pertencimento. É nova, tecnológica, e fez muita gente descobrir um bairro que mal sabia onde ficava no mapa. O Mineirão, por outro lado, é um patrimônio histórico do mineiro.

Nos dias de clássico, BH muda de ritmo. O jogo começa às 19h30, mas os reflexos vêm desde cedo. O trânsito congestiona horas antes. Os motoristas de aplicativo evitam certas rotas. A cidade inteira desvia.

Até o humor das pessoas muda. O motorista do ônibus pode estar mais calado. O atendente da lanchonete pode soltar uma piada atravessada. Seu amigo, seu namorado, seu chefe — todo mundo vira um pouco mais sensível. Porque não é só um jogo. É identidade em jogo.

E é também movimento econômico. Os bares lotam, garçons são chamados de última hora, donos de estabelecimentos compram estoque como se fosse feriado nacional. O clima lembra a Copa do Mundo de 2022, que fez o setor de bares e restaurantes respirar aliviado, como mostrou a Abrasel. O clássico é a nossa Copa particular: com bandeiras nas janelas, camisa no corpo e mesa ocupada. Não tem happy hour, tem concentração. Não tem cliente distraído — tem torcida.

O clássico não dura só 90 minutos. Dura a semana inteira. Começa na expectativa do primeiro jogo, nas promessas de vingança, nas apostas entre colegas. E segue depois do apito final, com a comemoração de um lado e a frustração do outro. Ele invade o dia seguinte, o grupo da firma, o bar do fim de semana seguinte. Em Minas, ninguém sai ileso de um clássico.

No dia 11 de setembro, por volta das 21h30, não importa quem venceu: vai ter foguetório, grito pela janela e criança acordando assustada com o barulho. Vai ter gente rindo, gente calada, gente rebatendo meme com mais meme. A cidade vai estar elétrica.

E no dia 12, se um alienígena pousar em BH, vai perceber rapidinho que muita gente resolveu sair de casa com a mesma camisa.

Talvez porque o futebol, em Minas, seja uma das poucas válvulas de expressão pública. Num estado que fala baixo, que evita confronto direto, que prefere o “pois é” ao grito — o futebol vira o lugar onde o mineiro se permite exagerar. Nem que seja só por 90 minutos. Ou mais.

O clássico é vaidade, é memória, é território. E mesmo quem evita, quem não assiste, quem acha que “é só um jogo”, sabe no fundo: se tem Atlético e Cruzeiro, a cidade vai parar — no buzinaço da vitória, no silêncio da derrota ou com você preso no trânsito.

BH sente o clássico com o corpo inteiro. E isso, convenhamos, tem pouco a ver com futebol.

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Guilherme Paixão colunista
Guilherme Paixão
Jornalista formado pelo Centro Universitário de Belo Horizonte, com experiência em redação, assessoria de imprensa e comunicação digital. Atualmente, integra a equipe da Agência de Notícias da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel).

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