Leonardo Luz: ‘A privatização da Copasa: correndo contra o tempo’

Leonardo Luz: ‘A privatização da Copasa: correndo contra o tempo’

O governo mineiro acelera a venda da estatal, mas os prazos políticos podem ser um obstáculo

A novela em torno da privatização da Copasa vem ganhando novos contornos nos últimos meses. Criada em 1973 e com capital aberto em Bolsa desde 2006, a estatal nunca teve no seu processo de privatização um padrinho político até a eleição de Romeu Zema para o governo mineiro, em 2018. Ponto central de seu discurso liberal, Zema sempre enfatizou que seu objetivo era entregar as duas maiores estatais do estado, Copasa e Cemig, à inciativa privada ainda em seu primeiro mandato, no contexto do Plano de Recuperação Fiscal da União. Com a eleição de Lula, sua resistência à privatizações e a relação azeda deste com Zema, quaisquer avanços na inclusão da estatal nos planos de recuperação fiscal, ou mesmo a seção da empresa à União, foram inviabilizados e o mineiro buscou um caminho alternativo para se desfazer da estatal.

Em Agosto de 2024, o governo de Minas Gerais enviou à Assembleia Legislativa uma proposta de emenda à constituição estadual, com o objetivo de alterar o texto constitucional, de modo a eliminar o referendo popular obrigatório para seções de estatais ao controle privado – incluído no texto em 2001, por Itamar Franco – e reduzir o quórum qualificado na casa legislativa para a sua aprovação – de 48 deputados, maioria qualificada, para maioria simples. O texto foi apresentado à Comissão de Constituição e Justiça na última semana, mas não foi votado.

De acordo com veículos de imprensa, integrantes do legislativo estadual afirmam que os projetos de emenda constitucional e de lei, que autoriza a privatização da Copasa, devem ser votados em agosto, com grandes chances de aprovação. Uma possibilidade que tem sido levantada é, ainda, que a PEC seja desmembrada e que a Cemig – também objeto de interesse da PEC – seja excluída da proposta, posto que haveria um consenso parlamentar para estatal de saneamento, mas o mesmo não valeria para a distribuidora de energia.

Uma vez superados os imbróglios políticos, o governo de Minas Gerais deverá seguir o processo de privatização em um modelo análogo ao realizado pelo governo de São Paulo para a SABESP, no ano passado. O procedimento se daria via follow-on, isto é, a emissão de ações subsequentes pela própria COpasa, havendo a figura do acionista de referência (que operaria como principal controlador da empresa), detendo entre 15% e 20% das ações. O estado de Minas Gerais se manteria na composição acionária, mantendo o chamado Golden share, uma ação especial que confere ao governo o direito de veto em decisões estratégicas, mesmo sem deter a maioria do capital. Assim, mesmo com um novo acionista de referência, o Estado manteria instrumentos de controle, podendo impedir mudanças que afetem o interesse público.

Várias casas de análise vem apontando que a estratégia poderia levar a uma valorização de até 190% diante dos atuais índices de valuation. Ademais, os cofres estaduais poderiam receber um importante incremento que, de acordo com o tem sido dito por membros do governo, deve servir para amortizar a colossal dívida estadual. Se tomarmos por base o que se deu na privatização da Sabesp, há bons motivos para o governo se animar. O follow-on da empresa paulista rendeu cerca de R$8 bilhões, somando-se mais quase R$7 bilhões do aporte do controlador de referência, a Equatorial Energia, indubitavelmente uma das melhores empresas de utilidade pública em operação no país. Além disso, houve uma imediata redução tarifária, de aproximadamente 10% para consumidores de baixa renda, 1% para residenciais e 0,5% para outros segmentos. Em termos operacionais, os ganhos de governança e flexibilidade permitiram o anúncio de R$10 bilhões adicionais para investimentos, o que permitiu a antecipação das metas de universalização do saneamento para 2029, quatro antes do prazo previsto pelo novo Marco do Saneamento, aprovado em 2020.

O tempo, entretanto, pode ser uma pedra no caminho da privatização da Copasa. A execução do plano de seção da Sabesp levou cerca de nove meses, entre a protocolização da proposta legislativa e a realização do follow-on, em julho de 2024, e cerca de cinco meses entre o início da modelagem de oferta e a consecução da emissão de ações em bolsa. Se, na melhor das hipóteses, o PL da estatal mineira for aprovado em Agosto, teríamos a realização do follow-on perto de maio de 2026, supondo que o processo não encontre barreiras adicionais às enfrentadas no caso da Sabesp. Se a autorização parlamentar para a venda, contudo, se arrastar por mais tempo, a execução da emissão de ações pode ficar para o segundo semestre, o que pode ser arriscado, especialmente caso algum tipo de judicialização ocorra e o tema volte ao plenário da Assembleia, podendo resultar na inviabilização de uma nova aprovação, posto que no segundo semestre do ano que vem os deputados estarão com as atenções voltadas para as eleições, o que costuma a emperrar o funcionamento das casas legislativas. Um atraso significativo, pode, assim, levar a ordem executiva para a realização da privatização para 2027, quando Minas Gerais terá um novo governo e este pode não ser tão entusiasta da venda da empresa quanto o atual.

A privatização da Copasa já tem, ao que parece, consenso parlamentar, modelo de execução e um recente exemplo de sucesso que serve como parâmetro. A corrida agora é contra o relógio.

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Leonardo Luz
Doutor em Economia.

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