David Ribeiro: ‘Mounjaro é o novo fast food da saúde. E tá todo mundo engolindo’

David Ribeiro: ‘Mounjaro é o novo fast food da saúde. E tá todo mundo engolindo’

Mounjaro e a dieta: Para que se esforçar se uma injeção resolve?

Antes de mais nada, vamos esclarecer o que é essa tal “revolução” que anda fazendo todo mundo falar. O Mounjaro é uma injeção que você aplica em casa, como se fosse uma caneta de insulina. Foi desenvolvido para tratar diabetes tipo 2, mas ficou famoso mesmo pela perda de peso espetacular que provoca.

Como funciona? Ele age em dois hormônios do nosso corpo, cortando a fome pela raiz e fazendo com que a comida demore mais para sair do estômago. A Anvisa já liberou seu uso para o tratamento da obesidade aqui no Brasil, mas, claro, somente com receita médica.

Mas convenhamos: quando algo promete resolver com uma injeção semanal o que anos de tentativas não conseguiram, é natural que vire febre. E é exatamente aí que mora o meu incômodo.

Vou ser direto: a discussão sobre saúde virou um circo, e eu estou cansado de fingir que não é. Quando vejo gente tratando o Mounjaro como se fosse a solução para todos os problemas da vida, não consigo deixar de pensar: será que chegamos realmente a esse ponto? Onde uma injeção substitui anos de conhecimento sobre nutrição e exercício?

Eu cresci numa época em que emagrecer significava guerra declarada contra a geladeira. Era brócolis sem sal, academia três vezes por semana e aquela culpa quase religiosa toda vez que a gente olhava para um pedaço de bolo. Não era fácil, mas pelo menos era honesto. Hoje? Hoje temos um aplicativo para tudo: um que conta calorias, outro que conta passos, um terceiro que provavelmente conta quantas vezes você suspirou de frustração olhando para a balança.

Esses dispositivos “inteligentes” nos transformaram em escravos de dados. Seu relógio diz que você queimou 300 calorias? Parabéns, você está oficialmente saudável! Não importa se você passou o dia inteiro sentado comendo besteira, os números não mentem, certo? Errado. Mas quem sou eu para questionar a sabedoria de um chip no meu pulso?

A era do “sem esforço, por favor”

E aí que entra o queridinho da vez: o Mounjaro. Francamente, eu entendo o apelo. Quem tem tempo para aprender a cozinhar direito quando você pode resolver tudo com uma injeção semanal? Por que se dar ao trabalho de entender por que você come quando está ansioso se um medicamento pode simplesmente cortar sua fome?

Olha, não vou mentir: os resultados são impressionantes. Pessoas perdendo 15, 20 quilos em poucos meses. Mas aqui está minha questão, e talvez eu seja antiquado demais para entender: desde quando perder peso virou sinônimo de estar saudável?

Você pode estar 20 quilos mais magro e continuar sem saber cozinhar um ovo. Pode ter o corpo dos seus sonhos e ainda ter um ataque de pânico toda vez que vê uma pizza. O Mounjaro não vai te ensinar a diferença entre fome e vontade de comer. Não vai te fazer sentir o prazer de uma caminhada matinal ou te dar aquela sensação boa de ter preparado uma refeição nutritiva com suas próprias mãos.

Quando a saúde vira produto de consumo

O que me incomoda, e olha que são muitas coisas, é como transformamos saúde em commodity. Virou produto de prateleira: compre aqui sua dose semanal de emagrecimento, baixe ali seu app de bem-estar, vista esse relógio que vai resolver sua vida.

Sabe o que eu acho? Que estamos terceirizando nossa própria existência. Delegamos para algoritmos decisões que deveríamos tomar conscientemente. Entregamos para um medicamento a responsabilidade de nos ensinar a ter uma relação saudável com a comida. É como contratar alguém para sonhar por você.

Não me entendam mal: não sou contra tecnologia ou medicamentos quando necessários. Mas quando a conveniência vira a única métrica que importa, algo deu errado. Quando preferimos uma injeção a aprender a cozinhar, uma notificação no celular a ouvir nosso próprio corpo, um gráfico colorido a entender nossas emoções.

A conta que não fecha

Aqui está minha teoria: estamos criando uma geração de pessoas magras e dependentes. Magras porque o medicamento funciona, dependentes porque nunca aprenderam a funcionar sem ele. E quando a injeção acabar? Quando o aplicativo sair do ar? Quando o relógio quebrar?

Talvez eu esteja sendo dramático demais, mas tenho a impressão de que estamos resolvendo o sintoma e ignorando a causa. É como dar um analgésico para uma dor de cabeça crônica sem descobrir por que ela existe. Funciona? Funciona. Resolve? Essa é outra conversa.

No fim das contas, talvez a maior ironia seja esta: em pleno século XXI, com toda tecnologia disponível, ainda não inventaram um aplicativo que substitua o bom senso. Nem uma injeção que cure a preguiça de pensar. E, convenhamos, talvez seja melhor assim.

Mais textos do colunista

David Ribeiro colunista
David Ribeiro
Empreendedor desde cedo, atua há 15 anos impulsionando a inovação em tecnologia para a saúde. À frente da Ippo Saúde há 5 anos, empresa especializada em análises preditivas com inteligência artificial, conecta tecnologia e cuidado no Brasil e no exterior. Como mentor da ABStartups, também apoia o crescimento de novas soluções digitais no setor, sempre acreditando que a tecnologia, usada com propósito, pode transformar vidas.

RELACIONADAS

David Ribeiro colunista
David Ribeiro
Empreendedor desde cedo, atua há 15 anos impulsionando a inovação em tecnologia para a saúde. À frente da Ippo Saúde há 5 anos, empresa especializada em análises preditivas com inteligência artificial, conecta tecnologia e cuidado no Brasil e no exterior. Como mentor da ABStartups, também apoia o crescimento de novas soluções digitais no setor, sempre acreditando que a tecnologia, usada com propósito, pode transformar vidas.
Entretenimento