David Ribeiro: ‘Eles já fazem diagnósticos e dão conselhos – até onde vai a IA na medicina?’

David Ribeiro: ‘Eles já fazem diagnósticos e dão conselhos – até onde vai a IA na medicina?’

A inteligência artificial em saúde não é inerentemente boa ou ruim; seu valor depende de como a implementamos

Imagine acordar no meio da madrugada com uma dor de garganta persistente. Seu primeiro instinto seria, provavelmente, procurar no Google algo como “dor de garganta + febre + remédio caseiro”. Confesse: você já fez isso e, após 15 minutos de pesquisa, diagnosticou-se com três doenças terminais e mais duas que nem existem no seu país. Bom, a boa notícia é que não estamos mais em 2015, e os assistentes de inteligência artificial estão aqui para… bem, talvez não salvar sua vida, mas certamente para não te fazer acreditar que um simples resfriado é, na verdade, uma doença tropical rara.

A nova era dos consultórios virtuais

Os assistentes de IA na área da saúde são como aqueles amigos que estudaram medicina por dois semestres antes de desistir: sabem o suficiente para impressionar, mas você provavelmente não deveria confiar neles para uma cirurgia. A diferença é que os assistentes de IA estão aprendendo em velocidade exponencial e, ao contrário daquele seu amigo do ensino médio, eles têm acesso a toda a literatura médica publicada. Brincadeiras à parte, o uso de IA na saúde já deixou de ser ficção científica e está moldando o presente do setor.

Segundo dados da consultoria Rock Health, o investimento global em saúde digital alcançou US$ 10,1 bilhões em 2024. Mas por que essa explosão? Simples: os brasileiros, em particular, gastam em média 4 horas e 37 minutos diárias em dispositivos móveis, segundo dados recentes da Exploding Topics. E saúde está consistentemente entre os cinco principais temas de busca online. Somos obcecados por diagnósticos e, agora, temos assistentes digitais que nos respondem em segundos – sem aquele julgamento silencioso do médico quando confessamos que não estamos seguindo a dieta recomendada.

Do “Dr. Google” ao “Dr. IA”: uma evolução necessária

Vamos encarar os fatos: o “Dr. Google” era um péssimo médico. Você começava uma pesquisa com uma simples dor de cabeça e terminava com um diagnóstico que te deixava traumatizado. Os assistentes de IA, por outro lado, foram treinados para serem menos alarmistas e mais contextuais. Eles aprenderam que, na maioria das vezes, aquela dor de cabeça é apenas… uma dor de cabeça.

Um estudo publicado no Journal of Medical Internet Research em março de 2024 analisou cinco principais assistentes de IA em 500 cenários clínicos comuns. Os resultados mostraram uma precisão média de 84% na triagem inicial – significativamente superior aos 62% de precisão das buscas online tradicionais. Não é perfeito, mas é um avanço considerável.

Como a IA pode auxiliar o seu dia a dia

Nutricionista de Bolso

Um dos exemplos mais bem-sucedidos no Brasil é a “Nutricionista de Bolso”, uma assistente que combina IA com orientações de nutricionistas reais, exclusivamente pelo WhatsApp. O usuário envia um áudio relatando suas refeições, e a assistente fornece uma análise nutricional imediata, sugerindo melhorias e alternativas. Quando necessário, ela pode abordar assuntos de saúde alimentar de forma mais aprofundada.

Com mais de 40 mil usuários no Brasil, Portugal, Austrália e Estados Unidos, a Nutricionista de Bolso mostra como a combinação homem-máquina pode funcionar. E detalhe: 7 em cada 10 pessoas que experimentaram, continuaram utilizando a ferramenta após 1 mês. (era após 3 meses eu acho)

Segundo o fundador, “O diferencial nunca foi substituir o profissional, mas torná-lo mais acessível e presente no dia a dia. A IA cuida das tarefas repetitivas e informativas, buscando auxiliar na conscientização e cuidado, enquanto os nutricionistas focam no que realmente importa: o contexto pessoal e emocional de cada paciente.”

O outro lado da moeda

Não é tudo maravilhoso no reino da saúde digital. Como qualquer tecnologia emergente, os assistentes de IA enfrentam desafios consideráveis:

Dependência excessiva

O fenômeno da “mente alugada” preocupa especialistas. Quando confiamos cegamente em assistentes digitais, podemos perder gradualmente nossa capacidade de autoavaliação e pensamento crítico. Um estudo da Microsoft, em parceria com a Universidade Carnegie Mellon, revelou que usuários que dependem excessivamente de ferramentas de IA, como o ChatGPT, tendem a apresentar uma diminuição na capacidade de pensamento crítico e resolução de problemas. A pesquisa destaca que essa dependência pode “atrofiar” a mente humana, tornando-a despreparada para lidar com situações que exigem julgamento independente.

Além disso, uma análise publicada na revista Societies examinou como a crescente dependência de ferramentas de IA pode minar as habilidades de pensamento crítico, particularmente por meio do fenômeno de descarregamento cognitivo. A pesquisa alerta que a conveniência da IA pode corroer a qualidade da tomada de decisão humana e da análise crítica.

Você sabe mesmo com quem está dividindo sua febre?

Aqui está o elefante na sala: seus dados de saúde são extremamente valiosos. Compartilhar suas condições, medicamentos e sintomas com assistentes de IA significa, na prática, alimentar bancos de dados corporativos. Embora a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) ofereça proteções, o monitoramento é complexo e nem sempre eficaz. A falta de transparência sobre como essas informações são utilizadas e com quem são compartilhadas levanta sérias preocupações sobre privacidade e segurança.

Humanos e a máquina trabalhando juntos

A ideia não é substituir, mas sim aumentar a produtividade com o apoio da máquina. O modelo “aumentado”, onde profissionais de saúde trabalham lado a lado com assistentes de IA, já mostra resultados superiores em diversos estudos.

No Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, a implementação de uma plataforma de IA desenvolvida pela Roche reduziu o tempo de diagnóstico do câncer de mama de uma hora para apenas 30 segundos. Essa inovação não apenas acelerou o processo diagnóstico, mas também manteve a precisão, permitindo que os médicos tomem decisões mais rápidas e informadas.

Dicas para usar assistentes de IA na saúde com segurança

Para quem deseja navegar nesse novo mundo com sabedoria, algumas recomendações:

  1. Verifique a credibilidade: Busque aplicativos e assistentes desenvolvidos em parceria com instituições médicas reconhecidas.
  2. Leia a política de privacidade: Sim, aquele texto chato que ninguém lê. Verifique especialmente com quem seus dados são compartilhados.
  3. Use como complemento, não substituto: Assistentes de IA são excelentes para informações gerais e lembretes de medicação, mas diagnósticos definitivos exigem profissionais humanos.
  4. Mantenha seu médico informado: Conte ao seu médico quais assistentes você utiliza. Muitos profissionais apreciam a proatividade e podem indicar opções mais adequadas ao seu perfil.
  5. Desconfie de “curas milagrosas”: Se um assistente digital promete resultados extraordinários sem esforço, ative seu detector de charlatanismo.

O futuro é colaborativo

Na minha visão, os assistentes de IA na saúde representam uma revolução em andamento, com potencial para democratizar o acesso a informações médicas de qualidade e aliviar sistemas de saúde sobrecarregados. No entanto, sua implementação responsável exige vigilância constante contra vieses, proteção de privacidade e, acima de tudo, a manutenção do elemento humano.

Em um país como o Brasil, onde médicos se concentram em grandes centros urbanos e milhões vivem sem acesso adequado à saúde, os assistentes digitais podem ser uma ferramenta de inclusão – desde que desenvolvidos com consciência de nossas particularidades sociais e culturais.

A inteligência artificial em saúde não é inerentemente boa ou ruim; seu valor depende de como a implementamos. No final das contas, o melhor cenário não é aquele em que computadores substituem médicos, mas um em que pacientes mais informados e médicos tecnologicamente capacitados trabalham juntos por melhores resultados.

Porque, convenhamos, ainda não existe algoritmo capaz de substituir o olhar atento de um profissional que realmente se importa com seu paciente – e provavelmente nunca existirá. Por outro lado, nunca antes na história tivemos tanto conhecimento médico literalmente na palma de nossas mãos.

No fim, tecnologia sem empatia é só código. E cuidado sem informação é só sorte. O futuro da saúde está justamente entre esses dois extremos.

David Ribeiro colunista
David Ribeiro
Empreendedor desde cedo, atua há 15 anos impulsionando a inovação em tecnologia para a saúde. À frente da Ippo Saúde há 5 anos, empresa especializada em análises preditivas com inteligência artificial, conecta tecnologia e cuidado no Brasil e no exterior. Como mentor da ABStartups, também apoia o crescimento de novas soluções digitais no setor, sempre acreditando que a tecnologia, usada com propósito, pode transformar vidas.

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David Ribeiro colunista
David Ribeiro
Empreendedor desde cedo, atua há 15 anos impulsionando a inovação em tecnologia para a saúde. À frente da Ippo Saúde há 5 anos, empresa especializada em análises preditivas com inteligência artificial, conecta tecnologia e cuidado no Brasil e no exterior. Como mentor da ABStartups, também apoia o crescimento de novas soluções digitais no setor, sempre acreditando que a tecnologia, usada com propósito, pode transformar vidas.
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