O mercado financeiro é veloz, competitivo e implacável. Operadores correm contra o tempo, telas piscam sem parar e decisões bilionárias são tomadas em frações de segundo. Mas, para as mulheres que tentam trilhar carreira nesse universo, os desafios vão além dos riscos de mercado. Assédios sutis e escancarados, crescimento profissional limitado e disparidade salarial fazem parte do dia a dia de muitas profissionais do setor.
A história de Beatriz Almeida (nome fictício) reflete um padrão. Aos 32 anos, ela trabalha como analista em um banco de investimentos e, apesar de sua formação impecável e da experiência acumulada ao longo dos anos, viu colegas homens menos qualificados subirem de cargo enquanto ela permanecia no mesmo posto.
“Eu já ouvi de um chefe que ele preferia promover um homem porque eu poderia engravidar a qualquer momento. Disseram isso na minha cara, sem nenhum pudor”, conta. O mesmo chefe que, meses depois, fez um comentário sobre sua roupa durante uma reunião, insinuando que ela deveria vestir algo “menos chamativo” para ser levada a sério.
A barreira invisível
O caso de Beatriz não é isolado. O mercado financeiro ainda carrega resquícios de um passado em que mulheres sequer podiam abrir uma conta bancária sem autorização do marido. E, apesar das conquistas ao longo das décadas, o setor continua sendo um dos mais resistentes à equidade de gênero.
Dados da consultoria Mercer indicam que as mulheres ocupam apenas 20% dos cargos de liderança no setor financeiro no Brasil. Entre os CEOs das grandes instituições financeiras, essa presença é ainda menor.
A rotina de ser minoria
Para Carolina Vasconcellos, que trabalha no departamento de gestão de riscos de um fundo de investimento, ser mulher no mercado financeiro significa ter que provar o tempo todo que se é competente. “Se eu erro, é porque sou mulher. Se um homem erra, é porque ‘todo mundo erra’. A cobrança é diferente, é como se estivéssemos constantemente em um período de testes interminável”, afirma.
O assédio também é uma constante. Histórias de cantadas em ambiente de trabalho, convites constrangedores e brincadeiras de duplo sentido fazem parte de um código de conduta não oficial, mas amplamente praticado. Algumas mulheres relatam que, ao recusar avanços, foram preteridas em promoções ou afastadas de projetos importantes.
A desigualdade salarial
Os números também refletem a desigualdade. Um levantamento da FGV mostrou que mulheres ganham, em média, 22% a menos do que os homens em cargos equivalentes no setor financeiro. A disparidade aumenta conforme o cargo sobe na hierarquia: enquanto um homem que atinge a diretoria recebe um aumento salarial expressivo, as mulheres costumam enfrentar estagnação salarial, mesmo com um desempenho superior.
Mudanças a passos lentos
Nos últimos anos, algumas instituições têm se esforçado para aumentar a presença feminina no setor. Programas de mentoring, iniciativas de inclusão e metas de diversidade foram implementados em bancos e corretoras, mas os resultados ainda são modestos.
A economista e pesquisadora da USP, Luiza Martins, explica que a cultura corporativa do setor financeiro é um dos maiores entraves. “Não basta contratar mais mulheres, é preciso criar um ambiente seguro e inclusivo. Se o assédio e a desigualdade salarial continuam existindo, não adianta trazer mais mulheres para esse espaço sem mudar a estrutura”, defende.
Para Ana Paula Mendonça, diretora de uma gestora de ativos e uma das poucas mulheres em cargo de liderança na empresa, a chave para a mudança está na forma como as instituições encaram a diversidade. “Não é só sobre contratar mulheres, é sobre dar condições para que elas cresçam. Se não houver uma mudança real na mentalidade, vamos continuar vendo poucas mulheres subirem na carreira”, diz.
Um futuro possível?
Se a mudança será rápida ou não, só o tempo dirá. Mas uma coisa é certa: as mulheres que desafiam as estatísticas no mercado financeiro estão, pouco a pouco, transformando um setor que ainda insiste em manter portas entreabertas para elas. Enquanto isso, cada história de resistência é um lembrete de que ainda há muito a ser feito.