Leonardo Luz: ‘O que esperar da reforma do imposto de renda’

Leonardo Luz: ‘O que esperar da reforma do imposto de renda’

A medida é uma tentativa do governo de reverter o derretimento da popularidade do presidente Lula observada nos últimos meses em todos os levantamentos realizados por diversos institutos de pesquisa

O governo federal protocolizou o projeto de reforma do imposto de renda junto ao Congresso Nacional, como já se esperava desde de o anúncio do pacote fiscal em novembro do ano passado. Os principais pontos da reforma são a renúncia fiscal advinda da isenção do Imposto de Renda para pessoas físicas com renda de até R$5 mil mensais e sua contrapartida arrecadatória para que se atinja a neutralidade orçamentária. Sem surpresas, tal contrapartida se dará sob a forma de tributação adicional sobre rendimentos mensais superiores a R$50 mil, sem medidas de contenção de despesas.

A medida é uma tentativa do governo de reverter o derretimento da popularidade do presidente Lula observada nos últimos meses em todos os levantamentos realizados por diversos institutos de pesquisa. Sem conseguir emplacar uma marca para o governo, a medida tem sido encarada como a bala de prata do governo para tentar reverter a perda de popularidade e evitar uma derrota nas eleições gerais de 2026 que parece certa sob as atuais circunstâncias. Quando consideramos que um dos segmentos do eleitorado que mais desaprova o governo é exatamente aquele composto pela classe média baixa, trata-se de uma medida focal para, ao menos, tentar estancar a sangria da popularidade neste grupo demográfico.

A reestruturação da tabela do imposto de renda para pessoas físicas amplia a faixa de isenção dos atuais R$2824 para R$ 5 mil mensais e ajusta a progressão das alíquotas para quem recebe entra R$5 mil e R$7500. De acordo com governo, a renúncia fiscal atingiria R$25,8 bilhões em 2026 – números provavelmente subestimados, posto que o próprio Ministério da Fazenda já havia apontado um valor de R$35 bilhões – e exige uma compensação de arrecadação que se dará pela implementação de uma alíquota mínima de 10% a ser incidida sobre quem ganha acima de R$50 mil mensais somadas todas as fontes de renda, incluindo o pagamento de dividendos a pessoas físicas e jurídicas. Os efeitos do pacote ainda não foram plenamente estimados pelo mercado, mas a natureza do desenho da política aponta para graves consequências, tanto termos fiscais quanto em relação ao ambiente de negócios do país e seus fundamentos macroeconômicos.

Em relação aos efeitos fiscais, a redução da base tributável – cerca de 10 milhões de pessoas estarão isentas do IRPF – custará ao menos R25,8 bilhões anuais aos cofres públicos sem uma previsibilidade arrecadatória para tapar o buraco, posto que parte do que se espera arrecadar com a tributação dos indivíduos com rendimentos superiores a R$5 mil mensais (R$600 mil anuais) depende de resultados não necessariamente recorrentes. Por exemplo, uma empresa pode não distribuir dividendos sobre o lucro líquido em determinado exercício fiscal simplesmente por ter tido prejuízo ao longo do ano ou optar por remunerar os sócios sob formas alternativas à distribuição de dividendos, como a recompra de ações em empresas com capital aberto. Ou seja, tem-se uma renúncia fiscal certa a ser compensada com uma arrecadação incerta.

Outro aspecto fiscal de estresse no pacote do governo é a perda arrecadatória que sofrerão os entes federados. A Constituição determina que o imposto de renda retido na fonte dos rendimentos salariais de funcionários públicos estaduais e municipais seja destinado às contas de seus respectivos entes pagadores. A isenção atingiria os cofres de estados e municípios em cheio, subtraindo-lhes cerca de R$25 bilhões anuais, sendo R$12,5 bilhões em perdas de receita direta e outros R$12,5 bilhões na redução dos repasses dos fundos de participação de Estados e Municípios – do total arrecadado pelo IRPF, 46% são transferidos para os governos estaduais e municipais. Com as perdas, as já fragilizadas contas dos municípios e, principalmente, estados ficarão pressionadas e a Fazenda ainda não apresentou medidas compensatórias a serem adotadas.

Os efeitos deletérios do populismo do governo federal também serão sentidos no ambiente de negócios. O aumento da tributação sobre a renda tende a reduzir o apetite empreendedor e desincentivar a inovação, dado que reduz a assimetria entre risco e retorno dos investimentos privados podendo até mesmo levar a um aumento do desemprego e aumento da informalidade da atividade econômica. Ademais, as empresas que puderem deverão repassar aos preços a pressão sobre suas margens, produzindo efeitos inflacionários. Há ainda que se considerar que, ao tributar dividendos, o país operará uma bitributação sobre os lucros das empresas, dado que estas já pagam a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, o que é mais um desestímulo aos tomadores de risco que são o motor de qualquer economia.

Uma fuga de capitais do país também é prevista. Com a tributação sobre lucros e dividendos e a consequente redução da lucratividade de empresas estrangeiras, deveremos observar uma queda nos investimentos externos diretos e no fluxo de capital na bolsa brasileira. Por um lado, ao serem obrigadas a reter 10% de seus rendimentos em operações sediadas no país, multinacionais sofrerão um encarecimento de seus investimentos, reduzindo a competitividade do país na atração de investimentos estrangeiros diretos. Já portador de uma carga tributária altíssima, o Brasil possui poucos acordos de creditamento tributário, que restituem parte da tributação incidida ao longo da cadeia de produção de uma empresa, havendo, assim, pouca margem de manobra para compensar as perdas adicionais com a tributação adicional sobre seus lucros. Os retornos de investimentos em portfólio também serão impactados pela tributação de dividendos, que são uma das fontes de rendimentos do fluxo de capital em ações de empresas listadas em bolsa.

O possível aumento do déficit fiscal e os desincentivos ao investimento externo devem mostrar seus efeitos já no curto prazo. A redução do fluxo de capital externo deve levar a uma desvalorização do real ante o dólar, operando mais um efeito inflacionário na economia para além dos repasses aos preços ao consumidor da queda na lucratividade das empresas. Ademais, com 10 milhões de contribuintes isentos do IRPF, é certo um aumento no consumo das famílias, o que pressionará a demanda e o nível de preços. Posto que a economia brasileira se encontra superaquecida, com o mercado de trabalho e a capacidade ociosa das empresas comprimidos, o incremento no consumo reduzirá o espaço para a redução dos juros pelo Banco Central, que deverá manter a Selic mais alta por mais tempo. Inflação e juros mais altos levarão o mercado a exigir prêmios de risco maiores para a contratação da dívida soberana do país o que, por sua vez, aumentará o endividamento e este leva a inflação e juros maiores, incrementando o círculo vicioso interminável da dívida pública.

O projeto é ruim para o país e há poucas chances de ser derrubado pelo Congresso, em virtude de seu forte apelo popular. Nos resta torcer para que deputados e senadores desidratem a proposta do executivo em uma contenção de danos. A maior esperança reside na fraqueza política do governo junto ao Congresso, ainda mais evidenciada nas últimas semanas, com a negativa de lideranças do centrão em ingressar no governo na reforma ministerial que se encontra em curso, em grande parte por conta da mesma baixa popularidade de Lula que motivou o governo a propor a medida.   

Mais textos do colunista

Leonardo Luz perfilok
Leonardo Luz
Doutor em Economia.

RELACIONADAS

Leonardo Luz perfilok
Leonardo Luz
Doutor em Economia.
Economia e Negócios