As medidas do governo para conter a inflação dos alimentos, como a isenção de impostos de importação, enfrentam desafios estruturais na logística nacional, essenciais para o escoamento da produção agrícola.
O Brasil inicia o ano com expectativa de uma safra recorde de soja, um cenário positivo para o agronegócio, mas que gera um gargalo no transporte de alimentos. A alta demanda pelos caminhões para escoar a soja tem deixado outras colheitas em segundo plano, aumentando os custos do frete, já pressionados pelos reajustes do óleo diesel.
O próprio governo enfrenta dificuldades devido à precariedade da infraestrutura. Na última semana, uma transportadora responsável pela entrega de milho para a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) suspendeu o serviço. Em um ofício obtido pela Folha, a Padrão Transportes de Cargas e Logística informou que não conseguirá entregar 500 toneladas de milho por falta de caminhões e pelo aumento expressivo do frete.
A empresa pernambucana venceu uma licitação para transportar 10 mil toneladas de milho, mas pediu 45 dias de prorrogação para cumprir o contrato, alegando que o transporte de soja tem encarecido as operações e reduzido a disponibilidade de motoristas para longas distâncias.
No Mato Grosso, onde mais de dois terços da soja já foram colhidos, a urgência no transporte gera longas filas de caminhões nos principais pontos de transbordo, como Rondonópolis (MT) e Itaituba (PA). “Além da alta demanda da soja, o aumento do diesel impacta diretamente o valor do frete”, afirma a transportadora.
Paulo Bertolini, presidente da Abramilho (Associação Brasileira dos Produtores de Milho), estima que o frete subiu entre 30% e 40% em relação ao ano passado, dependendo da região. A escassez de transporte é agravada pela falta de infraestrutura para armazenagem de grãos.
“No Brasil, apenas 15% das propriedades rurais possuem estruturas de armazenamento, enquanto nos Estados Unidos esse número ultrapassa 50%. Com silos no campo, o produtor poderia administrar melhor os estoques. Como isso não acontece, o caminhão se torna um armazém improvisado”, afirma Bertolini, que defende incentivos governamentais para a construção de silos nas fazendas.
Além da espera de até 48 horas nas regiões de transbordo, os caminhoneiros têm preferido trajetos mais curtos, de até 300 km, o que reduz ainda mais a oferta de transporte para grandes distâncias.
Para o especialista Daniel Furl, medidas paliativas, como a isenção de impostos de importação para alimentos, não resolvem o problema logístico.
“Precisamos focar em infraestrutura e condições que tornem o ambiente de negócios mais eficiente. Países como China e Estados Unidos investiram em modais de longo curso, como hidrovias e ferrovias. No Brasil, no entanto, a participação das ferrovias caiu no último ano”, explica Amaral.
Atualmente, segundo a Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran), há 3,165 milhões de caminhões de carga em circulação no país. Porém, cerca de 60% da carga nacional depende das rodovias, o que sobrecarrega o setor.
Outro problema é a escassez de motoristas. A frota de caminhoneiros está envelhecendo e há dificuldades para atrair novos profissionais. Uma pesquisa recente da NTC&Logística (Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística) mostrou que 93% das empresas entrevistadas enfrentam problemas para contratar motoristas.
“Estamos vendo um cenário preocupante. Muitos caminhões são usados como armazém, a infraestrutura nas estradas é precária e os motoristas ficam parados sem remuneração. Isso desmotiva novos profissionais”, afirma Wallace Landim, diretor da Abrava (Associação Brasileira dos Condutores de Veículos Automotores).
Com custos crescentes e dificuldades logísticas, o abastecimento de alimentos pode sofrer impactos diretos, tornando ineficazes as medidas emergenciais para segurar os preços ao consumidor.