Leonardo Luz: ‘Pelos frutos se conhece a derrota’

Leonardo Luz: ‘Pelos frutos se conhece a derrota’

Mantido o todo constante, Lula ou seu ungido, Haddad, não venceriam o pleito mesmo que se repita o cenário de 2022 onde o atual presidente obteve o recorde de 60% dos votos de não-evangélicos

“It’s economy, stupid” foi a antológica frase cunhada pelo publicitário James Carville nas eleições presidenciais americanas de 1992 e que explicaria a vitória do candidato de oposição, Bill Clinton, contra o então incumbente, George Bush. A proposição assumiu a função de um mantra entre políticos, jornalistas e analistas, sintetizando a, muito bem arraigada, crença de que o contexto econômico assume um papel preponderante ante todos os demais fatores para explicar os resultados eleitorais em sistemas partidários sufragistas. De fato, os dados sempre corroboraram essa visão e o status econômico sempre foi utilizado como um preditor dos sentimentos do eleitorado em relação a determinado partido ou governo.

Nos últimos anos, porém, vemos indícios de que essa correlação estrutural pode não representar como outrora as preferências do eleitorado. Desde o tempo em que Carville enunciou sua máxima, as democracias ocidentais, gradualmente, passaram por um processo de descorrelação entre condições econômicas e as preferências eleitorais. No contexto do que chamamos de “Guerras Culturais”, os últimos trinta anos foram marcados por um crescente protagonismo de temas comportamentais e morais no debate público,

Os recentes documentos publicados pela gestora Mar Assset Management – sob a forma da carta do gestor, Pregando no deserto”, e do estudo macro Vai na fé! O impacto eleitoral do crescimento dos evangélicos” – apresentam um importante subsídio para a explicar a quebra da correlação estrutural entre contexto econômico e preferências políticas e eleitorais no Brasil de hoje. A hipótese testada pelos pesquisadores é que, diferentemente do que defendem muitos analistas, o Brasil não está vivenciando um cenário de calcificação política, isto é, não há uma polarização clara e estagnada entre dois grandes grupos de eleitores, à direita e à esquerda, que se estabeleceu nos últimos ciclos eleitorais e estaria se propagando no atual, sendo dominante sobre os possíveis resultados das eleições de 2026. De acordo com a gestora, o Brasil, ao contrário, tem experimentado uma importante guinada à direita e este movimento pode ser explicado não por determinantes econômicos, mas pelo crescimento de uma direita evangélica.

A tese central do estudo reside na descorrelação entre os resultados econômicos do governo Lula 3 e suas taxas de aprovação. As pesquisas de avaliação presidencial apontam para uma queda contínua da aprovação do governo desde seu início, chegando ao pior resultado dos três mandatos de Lula nos últimos levantamentos. O contexto econômico, contudo, não explicaria tal movimento. O governo, desde antes da posse de Lula, quando a “PEC da transição” foi aprovada e cerca de 2% do PIB em despesas públicas foi jogado na economia, tem apostado todas as suas fichas em impulsos fiscais para expandir o consumo e manter as taxas de crescimento econômico em níveis elevados, apesar dos conhecidos efeitos inflacionários. Por resultado, a expansão artificial da demanda produziu as menores taxas de desemprego e pobreza de toda a série histórica que, em virtude da melhoria do cenário externo, permitiu um crescimento acima das expectativas do mercado em 2023 e 2024 com uma inflação que não se descolou significativamente da média histórica.

O incremento da demanda se deu majoritariamente via aumento das transferências de renda e do salário real, incrementando o poder de consumo das famílias mais pobres. Era de se esperar, com base na experiência histórica, que a aprovação do governo estivesse em melhores patamares do que o que tem sido capturado pelas pesquisas de avaliação. Ao contrário do que se esperaria, a aprovação do governo se mantém em níveis baixos, apesar da fotografia positiva da economia.

A explicação para a divergência, de acordo com o estudo, estaria no crescimento da população evangélica que, a partir de 2018, apresentou uma inflexão em seu comportamento eleitoral e se dissociou daquele observado entre os eleitores não-evangélicos, se estabelecendo à direita do espectro ideológico e rejeitando candidaturas de esquerda. A tese não é nova e já foi abordada na literatura especializada, que tem identificado que valores religiosos têm se sobreposto ao contexto econômico na determinação da clivagem eleitoral de diversas democracias, sendo, inclusive, fiadores da sólida manutenção no poder de atores políticos que as utilizaram eleitoralmente, como tem ocorrido na Polônia, Turquia e Hungria, por exemplo.

No caso brasileiro, em termos gerais, é possível identificar que, depois de preservar os mesmos padrões de comportamento político que a população não-evangélica por toda a República de 1988, os evangélicos iniciaram um processo de descolamento a partir da metade da década passada e, no pleito de 2018, se consolidaram como o principal grupo demográfico a se opor à esquerda política. Em estudo por mim elaborado, intituladoReligion, ideology and antipetismo in the 2018 brazilian presidential elections (submetido para publicação em revista científica especializada, mas ainda não publicado), busquei exatamente identificar a formação de uma direita religiosa cuja orientação política estivesse ancorada nas identidades religiosa, ideológica e antipetista simultaneamente, de modo que as três identificações se retroalimentariam e formariam uma cosmovisão política que compusesse uma direita religiosa antipestista orgânica. Os resultados indicaram que apenas entre evangélicos o fenômeno fora identificado nas eleições de 2018.

De forma convergente, o estudo da Mar Asset indica que o movimento identificado em 2018 se mantém na clivagem eleitoral brasileira e pode ser o determinante do resultado do próximo pleito. A fim projetar como o crescimento da população evangélica poderia impactar as próximas eleições, os pesquisadores utilizaram os dados demográficos dos Censos 2000 e 2010 e da Receita Federal sobre abertura de Igrejas até 2025, estimando a projeção da população de profissão evangélica em 2026, posto que os números do Censo 2021 ainda não foram divulgados. As estimativas apontam que, no próximo ano, 35,8% dos brasileiros sejam evangélicos, ante 22% em 2010. Com base nos padrões de votação deste segmento demográfico nos últimos ciclos eleitorais, a gestora estimou que, no cenário mais favorável ao governo, uma candidatura de esquerda conseguiria chegar a 49,8% dos votos. Mantido o todo constante, Lula ou seu ungido, Haddad, não venceriam o pleito mesmo que se repita o cenário de 2022 onde o atual presidente obteve o recorde de 60% dos votos de não-evangélicos.

Ocorre, porém, que o ciclo eleitoral tende a reservar um cenário mais desafiador ainda para o governo em virtude de suas próprias escolhas. Ao decidir governar via instrumento fiscal, estimulando a demanda por meio de endividamento, o governo conseguiu os bons resultados vistos até agora. Mas se a fotografia é bonita, o filme é de terror. O descontrole da dívida desancorou as expectativas de inflação e, por resultado, o banco central vem adotando uma politica monetária dura – ainda duas altas de 100 bps na SELIC, ao menos, são esperadas para 2025. Com a contração monetária e espaço fiscal reduzido, é esperada uma desaceleração da economia exatamente nos dois últimos anos do ciclo eleitoral. Os dados de emprego e atividade já apontam a perda de tração da economia e mesmo uma recessão já é esperada a partir do último trimestre de 2025. Ademais, a desancoragem das expectativas inflacionarias aponta para uma inflação acima da meta – e em contínua revisão para cima – para os próximos dois anos. Tal cenário de deterioração do ambiente econômico tende a dificultar ainda mais a situação do governo. Se, mesmo sob um contexto positivo, as projeções da Mar Asset apontam para uma derrota governista em 2026, o que o governo deve esperar das urnas em uma eleição realizada em meio a uma crise econômica?

Se os recentes estudos sobre a clivagem eleitoral brasileiro estiverem corretos e as projeções da Mar Asset se concretizarem, haverá lastro para a atual euforia do mercado com o aumento das chances de uma vitória da oposição e uma mudança nas diretrizes de política econômica. Uma derrota governista, contudo, não pode ser vaticinada posto que, como Magalhães Pinto já dizia, a “política é como nuvem; Você olha e ela está de um jeito; Você olha de novo e ela já mudou”. Ademais, é sempre possível que bons ventos de fora – especialmente da China – levem a economia para uma rota menos turbulenta. Entretanto, os indícios de uma quebra estrutural no padrão eleitoral e demográfico do país projetado pela Mar Asset são demasiados fortes para não entrarem no radar e, provavelmente, deverão ser potencializados pelas escolhas equivocadas do governo. Se Jesus afirmou, no Evangelho de Mateus, que toda árvore que não produz bons frutos é cortada e lançada ao fogo, os frutos lançados pelo governo quando optou pelo uso do instrumento fiscal para produzir crescimento econômico podem ser o detalhe que faltava para ele mesmo ser queimado.

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Leonardo Luz
Doutor em Economia.

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