Dorli Kamkhagi: ‘Otimismo tóxico’

Dorli Kamkhagi: ‘Otimismo tóxico’

Por que esta necessidade egoica de sermos tão belos e divertidos e extremamente perfeitos em busca de uma felicidade tão perfeita e inatingível?

Às vezes as pessoas me perguntam por que não se sentem tão eufóricas e animadas como seus amigos. Principalmente quando os encontros se fazem em grupos e nas voltas de viagens.

Explico melhor: antes do recesso de final de ano, percebi várias pessoas (alguns casos do consultório) que, na preparação para as férias, já geravam um enorme cansaço e desgaste energético.

Havia toda uma rotina que tinha como objetivo chegar nas tais férias super bem malhado (a), magro e com um visual digno de uma produção hollywoodiana. Ou seja, um investimento da libido (que em psicanálise chamamos de energia de vida, mas que pode chegar às vias de exagero). 

Algumas pessoas colocam todas suas fichas – econômicas e de tempo – neste trabalho tão intenso. Era como se cada uma delas dependesse de uma forma exagerada e vital deste gasto energético de preparo digno de uma maratona. Afinal, estas pessoas estavam saindo de férias, mas falavam deste preparo físico sem piedade, com  um certo exagero .

Por que esta necessidade egoica de sermos tão belos e divertidos e extremamente perfeitos em busca de uma felicidade tão perfeita e inatingível? Seríamos reféns de um vazio cultural, no qual só existe o lugar para perfeição e para as pessoas incrivelmente divertidas e otimistas?

Ou estaríamos vivendo num momento de empobrecimento cultural e emocional no qual as novas modas e modos passam a ser os ditadores daqueles que nos olham, mas não nos enxergam?

Quando as pessoas partem em suas viagens na busca de algo que as complete (pode ser um novo amor, novas amizades), muitas vezes fazem um investimento pesado e focado num objeto que pode vir a ser uma grande fuga. Isso  também é uma negação. É uma escolha de não se olhar e ver como estamos e o que sentimos.

Neste momento podemos nos dar conta de uma busca desenfreada e frenética para algo que nos preencha, na vã tentativa de cobrir nossos buracos internos imediatamente, numa “falsa potência de bem estar “

Então os movimentos de dor e de uma certa angústia vão surgindo e adentrando, e deixando rasgos na fantasia do perfeito otimista. As risadas e as poses tão fáceis e instagramadas podem, por sorte ou um bom trabalho analítico, abrir um caminho nessa máscara que esconde a dor do vazio e da solidão

E deste desconforto pode nascer algo de verdadeiro, talvez menos exuberante, porém mais tranquilo e quem sabe apaziguador. Afinal não somos tão ótimos, nem tão divertidos, apenas humanos. 

Esta pode ser uma oportunidade de termos um olhar mais condescendente e cuidadoso com a nossa história. Ou quem sabe ir correndo preparar a próxima viagem.

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Dorli Kamkhagi
Psicóloga e Psicoterapeuta de adultos, casais e famílias, mestre em Gerontologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Doutora em Psicologia Clínica pela PUC-SP, é colaboradora e supervisora de Grupos de Maturidade e Projetos sobre o Envelhecimento do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).

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Dorli Kamkhagi
Psicóloga e Psicoterapeuta de adultos, casais e famílias, mestre em Gerontologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Doutora em Psicologia Clínica pela PUC-SP, é colaboradora e supervisora de Grupos de Maturidade e Projetos sobre o Envelhecimento do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
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