Imagine tentar atravessar a rua em um cruzamento movimentado sem ouvir o sinal sonoro do semáforo, ou embarcar em um ônibus lotado sem rampas ou elevadores. Imagine, ainda, navegar por calçadas esburacadas e estreitas em uma cadeira de rodas, desviando de obstáculos e buracos. Essa é a realidade diária de milhões de pessoas com deficiência no Brasil, que enfrentam uma “cidade invisível” quando o assunto é mobilidade urbana.
Apesar de avanços nas últimas décadas, a inclusão das pessoas com deficiência no espaço urbano ainda é um desafio significativo. As cidades brasileiras, em sua maioria, foram projetadas com base em uma perspectiva que desconsidera as necessidades e direitos dessa parcela da população. Como destacou Miranda em sua apresentação “Removendo as Barreiras” no evento Rota da Acessibilidade: Conectando Caminhos para um Transporte Inclusivo, realizado pela CNT em 5 de dezembro de 2024, a acessibilidade é um direito fundamental. Construir uma sociedade verdadeiramente inclusiva exige remover barreiras físicas, arquitetônicas, atitudinais e tecnológicas que limitam a participação plena das pessoas com deficiência.
A questão da acessibilidade, como apontado por Modesto em sua palestra “Uma Cosmovisão sobre Mobilidade e Saúde do Trabalhador dos Transportes”, apresentada no mesmo evento, vai além da inclusão social. Ela impacta diretamente a saúde e o bem-estar de todos os cidadãos, especialmente daqueles que dependem do transporte público para trabalhar e viver. O planejamento urbano e os sistemas de transporte moldam a qualidade de vida, a segurança e a saúde da população.
O Mapa da Exclusão
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Censo de 2022, cerca de 17,3% da população brasileira possuía algum tipo de deficiência. Esse número pode ser ainda maior, considerando que as informações eram frequentemente repassadas por terceiros, o que pode ter causado subnotificação. Uma pesquisa do Instituto Locomotiva, realizada em 2018, revelou que 70% das pessoas com deficiência já deixaram de sair de casa por falta de acessibilidade, e 85% enfrentam dificuldades para utilizar o transporte público.
Desafios e Barreiras
As dificuldades enfrentadas pelas pessoas com deficiência variam conforme suas necessidades específicas, exigindo soluções personalizadas e eficazes:
A Acessibilidade para Além das Rampas
Miranda (2024) destacou que a acessibilidade exige uma abordagem ampla, abrangendo diversas dimensões:
Planejamento Urbano e Saúde: Uma Perspectiva Sistêmica
Modesto (2024) propôs uma “tríade de políticas públicas” – circulação, transportes e habitação – como base para cidades mais inclusivas e sustentáveis. Ela enfatizou que cidades compactas, que favorecem o transporte público e modos ativos de locomoção, promovem a saúde da população. Por outro lado, cidades dispersas, focadas no uso de automóveis, incentivam o sedentarismo, a poluição e os acidentes de trânsito.
Legislação e Realidade
A Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015) e o Decreto nº 5.296/2004 garantem o direito à acessibilidade. Contudo, a implementação e a fiscalização dessas leis ainda são insuficientes, perpetuando a exclusão por falta de infraestrutura adequada e conscientização.
Caminhos para a Inclusão
Exemplos de boas práticas mostram que cidades mais inclusivas são possíveis. Curitiba, com seu sistema BRT (Bus Rapid Transit), e países como a Suécia, que investem em design universal e tecnologias assistivas, são inspirações. Aplicativos como Lazarillo e Hand Talk também têm contribuído para a navegação e comunicação de pessoas com deficiência.
Construindo a Cidade para Todos
Uma cidade acessível acolhe a diversidade e garante o direito de ir e vir com segurança e autonomia. Superar as barreiras da “cidade invisível” requer o compromisso coletivo de governantes, empresas e cidadãos.
Conclusão: Superando Barreiras para Construir um Futuro Inclusivo
A mobilidade urbana no Brasil exige uma mudança urgente. Não podemos mais aceitar essa “cidade invisível” que deixa milhões de pessoas com deficiência à margem. A acessibilidade precisa ser vista como um direito fundamental, não como um favor, pois ela tem o poder de transformar vidas, proporcionando autonomia e dignidade. As leis que já existem, como a Lei Brasileira de Inclusão, precisam ser de fato colocadas em prática, com fiscalização real, para que as barreiras físicas, arquitetônicas e até mesmo as atitudinais sejam derrubadas de forma efetiva.
Construir uma cidade para todos vai muito além de melhorar a infraestrutura; é uma questão de mudar a mentalidade coletiva. Exemplos de boas práticas, tanto no Brasil quanto no exterior, mostram que a inclusão é totalmente possível quando há vontade política, inovação e, principalmente, respeito aos direitos humanos. O planejamento urbano, o transporte público e os espaços comuns devem ser pensados de forma a atender a todos, sem exceção.
Para alcançar um futuro inclusivo, é preciso o envolvimento de todos: governos, empresas, cidadãos e, claro, as próprias pessoas com deficiência, que devem ter o direito de participar ativamente na criação de soluções que atendam às suas necessidades. Ao garantir um espaço urbano acessível, estamos promovendo a igualdade de oportunidades e construindo um ambiente mais justo, saudável e humano para todos. Chegou a hora de avançarmos para um futuro onde a mobilidade não seja um obstáculo, mas um direito que todos possam exercer plenamente.
Referências
ABNT. (2020). NBR 9050: Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos. Rio de Janeiro: ABNT.
IBGE. (2022). Censo Demográfico 2022. Rio de Janeiro: IBGE.
Instituto Locomotiva. (2018). Pesquisa “Deficiência e Mobilidade Urbana”. São Paulo: Instituto Locomotiva.
Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras.
Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência.
Decreto nº 5.296, de 2 de dezembro de 2004.