Leonardo Luz: ‘Os efeitos do Trumponomics 2.0 no Brasil’

Leonardo Luz: ‘Os efeitos do Trumponomics 2.0 no Brasil’

Seu discurso de posse e suas últimas declarações indicam ser questão de tempo até que medidas protecionistas sejam adotadas pelos EUA

Donald Trump foi empossado na última segunda feira como o 47o. Presidente dos EUA sob os olhares atentos do mundo. Em seu discurso de posse enfatizou questões imigratórias, culturais e geopolíticas, ecoando muitas das declarações dadas nas últimas semanas. Não faltaram estanques verborrágicos evocando a grandeza da América e seu retorno à era de prosperidade a qual é destinada. Uma enxurrada de ordens executivas foram assinadas, bem como outras tantas, de autoria de Biden, revogadas. Dentre medidas de deportação de imigrantes ilegais, declaração de emergência na fronteira Sul e perdão a condenados do 6 de janeiro, o pacote não contemplou, para alívio dos ativos globais, nenhuma implementação de tarifas comerciais. O tom de seu discurso e suas últimas declarações, contudo, indicam ser questão de tempo até que medidas protecionistas sejam adotadas.

O trumponomics 2.0 vem alimentando ainda mais incertezas do que sua primeira versão. O mandatário, diferentemente do que ocorrera em seu primeiro mandato, possui o controle de seu partido, maioria nas duas casas legislativas, uma Suprema Corte majoritariamente conservadora, inegável apoio popular, experiência e conhecimento das nuances da política e da máquina pública, além do apoio de setores econômicos que até pouco tempo lhe torciam o nariz, como as Big Techs.

A versão turbinada do trumpismo econômico tem, portanto, muito mais chances de ser bem-sucedida, alimentada, ainda, pelo acirramento dramático das tensões políticas globais, sobretudo entre EUA e China. A fórmula do Make America Great Again continua sendo o isolamento político e econômico dos EUA em relação ao mundo, o impulsionamento da indústria nacional e o enfraquecimento dos concorrentes globais, o que lembra em certa medida as políticas da década de 1930. Trump promete uma América grande, com bons empregos e salários, tudo alimentado por sua obsessão em uma balança comercial superavitária.

Os fundamentos da economia americana, porém, estão mais debilitados do que em 2017. Sob uma pressão da dívida que atinge 6% do PIB e uma incômoda persistência inflacionária, a combinação de uma deportação em massa de imigrantes – bem como barreiras mais sólidas à chegada de outros novos – e de tarifas de importação tende a produzir uma pressão inflacionária já no curto prazo. Considerando o deficit comercial americano, tarifas de importação afetarão os custos dos bens consumidos internamente e a redução da oferta de mão-de-obra imigrante operará uma pressão no já apertado mercado de trabalho, gerando um efeito altista sobre os salários.

O banco central americano já acusou o golpe e reduziu a previsão de quatro quedas nos juros em 2025 para apenas duas, sendo que já se precifica no mercado a possibilidade de um único corte. Juros persistentemente mais altos nos EUA significam um dolar mais forte e, consequentemente, maior pressão sob os ativos globais. Não obstante, é esperada, ainda, uma redução significativa das taxas de crescimento da economia mundial.

O esperado fortalecimento do dolar e o tarifaço prometido por Trump, sobretudo àquele direcionado à China, têm implicações peculiares sobre países emergentes. Dolar forte e juros americanos altos levam a uma depreciação das moedas emergentes e a necessidade de juros mais altos. A compressão do crescimento econômico global e, em especial, os efeitos sobre a performance da economia chinesa – que dependerá da magnitude das tarifas impostas – devem deprimir os preços das commodities e das exportações dos emergentes, pressionando suas moedas via balança comercial.

O Brasil, diante do exposto, deve sofrer reveses significativos. Em um cenário mais pessimista, a implementação de alíquotas de 60% sobre produtos chineses poderia reduzir as exportações brasileiras em 2,2%, de acordo com estimativas do Centro de Negócios Globais (FGV/SP) e, de acordo com relatório do Bradesco, tarifas sobre importações brasileiras estipuladas em 25% causariam um impacto comercial negativo de mais de U$5,5 bilhões.

Caso o sarrafo sobre o Brasil seja menor, como aponta a agência Moody’s, que estima uma alíquota global de 5% sobre produtos brasileiros, o impacto sobre as exportações desaceleraria o ritmo de crescimento para, no máximo, 2% em 2025, com potencial para perdas maiores em 2026. Eventuais acordos entre China e EUA podem prejudicar ainda mais o resultado caso os chineses tentem atenuar as tarifas incrementando as compras de commodities dos EUA como fizeram durante o primeiro mandato de Trump, sobretudo em relação a soja. Uma lástima para o Brasil, ainda mais se considerarmos que atingimos mais uma vez uma safra recorde de grãos.

A posição brasileira pode ser ainda mais delicada devido a fatores não estritamente econômicos. De acordo com um estudo publicado pelo CitiGroup acerca da vulnerabilidade de países latino-americanos ante as possíveis políticas de Trump, o Brasil é apontado como a segunda economia mais vulnerável do continente (a lista é liderada pelo México). De acordo com o banco, governos de esquerda, impopulares e com maior alinhamento com a China estariam mais propensos a sofrerem retaliações econômicas por parte dos EUA. Outros acontecimentos reforçam a hipótese de que, caso Trump assuma uma postura mais ideologicamente ativa, o Brasil teria um alvo no peito, tais como o apoio público de Lula à candidatura de Kamala Harris, o impedimento da presença de Jair Bolsonaro na posse do presidente americano (o que, de acordo com reportagem do Wall Street Journal, está sendo interpretado pelo círculo próximo de Trump como ativismo judicial para favorecer o governo de esquerda de Lula) e as intenções dos BRIC’s de substituir o dolar em transações entre os membros do grupo – o que levou a uma ameaça de Trump de impor tarifas de 100% sobre as importações oriundas de seus países-membros.

Um complicador adicional é a contenda entre Elon Musk e o Supremo Tribunal Federal, que acabou por tirar o X do ar por um mês e confrontou a plataforma de defesa intransigente da liberdade de expressão e supressão da moderação de conteúdo nas redes sociais que vem sendo adotada por Trump e que recentemente ganhou ainda mais força com o alinhamento da Meta. A atuação do judiciário brasileiro nessa esfera pode complicar severamente as relações entre os dois países e produzir represálias dos EUA.

Claro que podemos ter oportunidade de ganhos no Trumponomics. Em caso de retaliações chinesas sob a forma de imposição de tarifas a produtos agrícolas e petróleo dos EUA, por exemplo, poderíamos observar um aumento da demanda pela produção brasileira. Contudo, as oportunidades são poucas ante os desafios, ainda mais com o cenário doméstico já suficientemente deteriorado pela irresponsabilidade fiscal do governo Lula.

Tudo indica que navegaremos em mares turbulentos e os desafios para o Brasil serão muito maiores do que aqueles vistos no primeiro mandato de Trump. Cabe a nós fazermos o dever de casa e controlar a trajetória da dívida pública para reduzir os efeitos altistas sobre juros e inflação que a política do novo governo americano pode nos impor e da qual não temos controle.

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Leonardo Luz
Doutor em Economia.

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