Completou-se um ano de Javier Milei à frente da Casa Rosada. O excêntrico libertário surpreendeu a todos ao aplicar o tratamento de choque na economia que prometera em campanha, desafiando a expectativa da maior parte dos economistas e instituições financeiras, que não acreditavam que sua agenda pudesse ser implementada. Milei abdicou de qualquer gradualismo e atacou violentamente os elementos causadores dos desequilíbrios estruturais comprometedores dos fundamentos da economia argentina, em processo acelerado de deterioração.
A Argentina herdada por Milei foi fruto de décadas de políticas econômicas desastrosas, fundamentadas em deficits fiscais recorrentes, controles de preços e de fluxos de bens e capitais, subsídios deficitários nas tarifas públicas que produziram desequilíbrios nos preços relativos, escassez de reservas cambiais e um crescimento dramático da pobreza no país. O calvário argentino não foi resultado apenas dos desastrosos quatro anos de administração Alberto Fernandez, ou mesmo de seus aliados Kirshneristas, que governaram o país por 12 dos 16 anos que o antecederam, mas de quase oito décadas de populismo, iniciadas sob a tutela de Juan Perón, fundador do movimento político que governou a Argentina pela maior parte dos últimos 100 anos.
A receita peronista foi a grande responsável por transformar um dos países mais ricos do planeta em uma economia engessada, de baixa produtividade, altos índices de pobreza e indigência e resultados fiscais negativos (foram 113 registrados nos últimos 123 anos). Por resultado, quando assumiu em dezembro de 2023, Milei se defrontou com a maior taxa mensal de inflação já registrada no país, 25,5%.
As medidas iniciais do novo governo incluíram a abertura do mercado cambial, o que levou a uma maxidesvalorização do Peso, e a redução contínua e consistente dos subsídios tarifários. O executivo logo adotou uma política fiscal austera, utilizando todo o tipo de instrumento que não dependesse de aprovação parlamentar para conter o enorme deficit fiscal do país. Agências federais e cargos públicos foram extintos, bem como os repasses de recursos do governo central para as províncias foram congelados. A reação dos governadores provinciais foi implacável e parecia que o plano do governo naufragaria. Sem maioria no Parlamento, com uma inflação galopante e em confronto direto com as lideranças políticas provinciais, os primeiros meses de governo Milei vislumbravam um futuro nada auspicioso.
Contudo, a política entrou em campo. Figuras como os Ministros Guillermo Francos e Luís Caputo e a vice-presidente Victoria Villaruel assumiram a articulação política e Milei tomou para si a tarefa de convencer a população de que o remédio amargo que estava sendo aplicado surtiria efeito, ainda que as condições de vida da população piorassem mais ainda antes dos resultados surgirem. A fórmula funcionou e o governo recebeu o aval do Congresso para adotar sua cartilha de reformas. Milei não arredou o pé por um momento sequer e aplicou o receituário de choque que prometera em campanha, renegando o gradualismo adotado pelo ex-presidente Maurício Macri – o primeiro presidente não peronista eleito no país desde a ascensão de Perón, na década de 1940, e que fracassou em suas tentativas de estabilização econômica.
O diagnóstico do governo para o desequilíbrio estrutural dos fundamentos da economia argentina era conhecido por todos: o descontrole fiscal e os controles cambiais. Milei promoveu a maior contração de gastos já vista em terras platinas, cortando subsídios, repasses para políticas públicas e demitindo mais de 30 mil funcionários públicos, medidas que somaram uma redução de 35% dos gastos consolidados, o que equivale a 5,6% do PIB argentino, apenas no primeiro semestre de 2024.
O resultado foi o primeiro superavit fiscal mensal – considerando os juros da dívida soberana – em décadas e que se mantém há dez meses. A contração fiscal, associada ao congelamento de salários e aos altos índices inflacionários registrados nos primeiros meses de 2024, promoveu uma redução do poder de compra do argentino que reduziu fortemente o consumo das famílias – uma queda de mais de 15% no ano – e a circulação de moeda.
Com a contenção da emissão de pesos para o financiamento dos deficits fiscais e a contração do consumo, a deterioração monetária foi estancada e a eliminação dos incontáveis controles cambiais – substituídos por uma política de desvalorização do Peso a 2% ao mês – vêm eliminando as distorções cambiais e, por resultado, a diferença entre o câmbio oficial e o paralelo, chamado de dólar blue, atingiu o menor patamar da história, apontando para um movimento de convergência. Na prática, isso significa que a cotação oficial do dólar está cada vez mais próxima do seu valor de fato, aquele que é negociado paralelamente pela população no dia a dia, sem as maquiagens cambiais que se tornaram uma marca da economia argentina nas últimas décadas.
Os resultados surpreenderam até os mais otimistas dentre os analistas. A inflação caiu de um pico mensal de 25,5% em dezembro de 2023 para 2,7% em outubro de 2024 – o último dado disponível, gerando uma inflação anualizada consolidada de 290% em Abril para 193% em outubro. O risco-país despencou em mais de 50% e o peso argentino se valorizou em mais de 40% em 11 meses, o melhor desempenho dentre todas as moedas globais – ranking que teve por lanterna o Real brasileiro. Em relação ao Banco Central, sua prometida implosão foi substituída por uma recomposição de suas reservas cambiais, o que permitiu que a capacidade de implementação de uma política monetária crível fosse retomada, reduzindo os prêmios de risco da dívida soberana do país e abrindo espaço para sua renegociação junto aos credores. Os sinais positivos estão, gradualmente, chegando aos lares argentinos, que já observam uma contenção nos preços dos alimentos, ainda que os serviços continuem pressionados.
O remédio adotado para a estabilização da economia argentina não foi, contudo, livre de efeitos colaterais. A contenção fiscal, redução de subsídios e a desvalorização do Peso levou a uma fortíssima contração da demanda que elevou o desemprego para mais de 7% e os níveis de pobreza para inéditos 53%, com uma contração no ano de 3,4% do PIB, de acordo com o Fundo Monetário Internacional. No entanto, tanto o governo quanto os analistas econômicos em geral entendem que o pior do ajuste já passou e o próprio FMI estima que a economia argentina cresca acima de 5% em 2025, o maior índice esperado para a América Latina.
O sucesso alcançado por Milei até agora é fruto de três fatores fundamentais, a saber, a coragem e coerência em implementar um duro e amargo conjunto de medidas econômicas com potencial de corroer a popularidade de qualquer líder, a capacidade de comunicação junto à população e a experiência acumulada de décadas de distorções inflacionárias vividas pela população argentina. Milei, assim como a equipe econômica que conduziu a implementação do Plano Real no Brasil há 30 anos, compreendeu que não é possível combater uma inflação galopante sem que a população compreenda os fundamentos da carestia.
Ao conseguir convencer a população da necessidade de um choque amargo na economia, enfatizando, já em seu discurso de posse, que as condições de vida piorariam muito antes de melhorarem, Milei chamou o povo a ser parte do remédio. Com seu carisma e capacidade de comunicação, conquistou a confiança de grande parte da população, o que lhe garantiu impressionantes níveis de popularidade superiores a 50% e fundamentais para manter o apoio parlamentar indispensável para as reformas estabilizadoras. Como já observado no Brasil de 1994, a receita funciona e Milei parece ter encontrado o equilíbrio necessário para pavimentar a agenda de reformas que permitirá à Argentina retomar o desenvolvimento econômico sustentável. Por aqui, em terras tupiniquins, esperamos que os êxitos alcançados por Javier Milei sirvam de exemplo para a nossa classe política.