Nesta semana os americanos decidirão quem estará à frente da Casa Branca pelos próximos quatro anos. Donald Trump e Kamala Harris travam a disputa mais acirrada em décadas, deixando um cenário incerto sobre o futuro da maior economia do planeta. A incerteza se amplifica pela omissão de ambos os candidatos em se posicionar sobre o enfrentamento da enorme dívida soberana dos EUA, que superou os U$35 trilhões e representa cerca de 120% do PIB. Se a trajetória da dívida se mantiver nesse ritmo, o governo terá que ir a mercado se financiar a juros maiores, com consequências importantes para o dólar e as moedas globais.
Trump e Harris, entretanto, não parecem muito preocupados. O tema tem sido amplamente ignorado pelas duas candidaturas que, além de não sinalizar qualquer enfrentamento ao problema fiscal, apresentam plataformas econômicas que tendem a promover aumento de gastos e/ou redução de receitas. O republicano está prometendo uma renúncia fiscal sem precedentes, sobretudo para as corporações, renovando e ampliando Tax Cuts and Jobs Acts, um imponente programa de isenções fiscais por ele mesmo implementado em 2017 e que termina no próximo ano. Na esteira anti-fiscalista, tem prometido novos cortes de impostos até sobre a renda das pessoas físicas. Os efeitos inflacionários podem ser potencializados pela política comercial, onde Trump tem sido vocal em suas intenções de implementar medidas protecionistas, incluindo um tarifaço de 10% a 20% sobre todas as importações americanas, chegando a 60% para aquelas de origem chinesa. A combinação desta política com os pacotes de renúncias fiscais tende a produzir efeitos inflacionários que devem pressionar os juros. A abertura da curva de juros, inclusive, já tem sido observada nos últimos dias, quando os principais modelos de risco político passaram a apontar um leve favoritismo do ex-presidente. Harris, por sua vez, tem prometido uma expansão dos gastos sociais e em educação que, ainda que sejam seguidos de algum aumento no impostos, devem pressionar ainda mais as contas públicas.
As convergências nos programas dos candidatos reforça o cenário de risco fiscal. Ambos tem se comprometido em não reduzir o financiamento dos seguros de saúde, que terão seus fundos esgotados já na próxima década.
Os programas de infraestrutura, sobretudo para geração de energia, devem continuar, com empréstimos e subsídios bilionários para, principalmente, a indústria de fracking e a construção de reatores nucleares. No campo dos gastos em defesa e tecnologia, o cenário geopolítico não deve permitir uma contenção dos investimentos. A corrida tecnológica e armamentista com a China e os conflitos na Ucrânia e Oriente Médio exigirão que os EUA mantenham em expansão de despesas, independente das cores do partido que ocupará o Salão Oval.
De acordo com um estudo publicado pela CNN International, as plataformas de Trump e Harris devem produzir um deficit fiscal – adicional ao que já se encontra precificado na tendência – de U$8 e U$4 trilhões em dez anos, respectivamente.
Podemos, então, concluir que, não sendo o cenário construtivo para o controle da dívida soberana dos EUA, cabe apenas avaliar a dose do veneno, que deve ser definida pelos resultados das eleições para as duas casas legislativas. O Senado, hoje com maioria democrata, muito provavelmente trocará de mãos e será controlado pelos republicanos, o que pode conter alguns danos de uma eventual vitória de Harris, mas pode aprofundar os efeitos das políticas de Donald Trump. Por outro lado, apesar de um leve favoritismo democrata para reconquistar o controle da Câmara dos Representantes, há uma histórica correlação entre a vitória de um partido no pleito presidencial e seu êxito em controlar a casa. Assim, se Trump vencer, não é nem um pouco desprezível a chance dos republicanos fazerem barba, cabelo e bigode, levando o executivo e as duas casas congressionais.
Com base no que foi exposto, é possível desenhar três cenários mais prováveis para o resultado das eleições da próxima terça-feira.
Caso Trump consiga retornar à Casa Branca, mas os democratas conquistarem o controle da Câmara, é quase certo que o Tax Cuts and Jobs Acts seja prorrogado e ampliado, mas pode haver contenção dos representantes em outros programas de renúncias fiscais. O tarifaço das importações também deve perder potência, ainda que tendam a ser implementadas algumas medidas protecionistas.
Se Kamala vencer, assumindo que conquistaria também a maioria dos acentos na Câmara, o Senado republicano tenderia a conter a expansão de gastos sociais e em energia verde, contendo um pouco da sanha gastadora do programa democrata. Contudo, um aumento de impostos seria muito difícil de ser implementado e o Tax Cuts and Jobs Acts deverá ser renovado – o que já é admitido até por lideranças democratas. Quando considerado o cenário de vitória republicana no executivo e nas duas casas legislativas, podemos esperar um Donald Trump com poucas amarras para implementar seu programa econômico. A esperança de que o próprio partido do ex presidente contenha os aspectos mais radicais de suas propostas não parece muito plausível, posto que os republicanos estão cada vez alinhados às ideias de Trump e a maior parte dos parlamentares eleitos pelo partido devem ter adesão quase integral às políticas adotadas por seu líder.
Este último cenário parece ser o mais desafiador para o Brasil. Se Trump implementar o tarifaço prometido, os países emergentes tendem a sofrer com a perda de comércio com os EUA e, principalmente, com a desaceleração da economia chinesa, maior mercado das commodities desses países.
Podemos esperar, então, uma desvalorização de suas moedas, agravada pela abertura dos juros nos EUA. Juros mais altos nos EUA e fragilização da economia chinesa são ingredientes mais do que suficientes para uma pressão cambial sobre o Real e a inflação brasileira, o que levará o Banco Central a ser mais contracionista e manter os juros em patamares mais elevados do que seria esperado em caso de vitória de qualquer um dos candidatos sob uma divisão no Congresso.
Em poucos dias saberemos os limites que o legislativo poderá impor ao próximo presidente dos EUA, mas é certo que, tão logo, o país terá de enfrentar seu dilema fiscal.