Após uma longa e extenuante espera, o governo enfim apresentou o pacote fiscal para controlar o crescimento das despesas da União e conter o abismo fiscal brasileiro, que atinge um deficit superior a um trilhão de reais nos últimos 12 meses. O plano, apresentado em rede nacional pelo Ministro Fernando Haddad, conseguiu frustrar as baixíssimas expectativas dos agentes econômicos.
O governo ainda entregou um presente de grego inesperado: um projeto de reforma do imposto de renda – a ser votada no congresso no ano que vem – que isenta rendimentos de até 5 mil reais mensais, o que conseguiu derreter a pouca confiança que o mercado tinha acerca da responsabilidade fiscal do governo. Os preços dos ativos brasileiros reagiram, com a bolsa derretendo, os juros futuros se abrindo e o dólar atingindo 6 reais, máxima nominal histórica.
Em linhas gerais, o projeto prevê uma potência fiscal de R$71 bilhões até o final do mandato de Lula, sendo R$ 30,6 bilhões em 2025 e R$ 41,3 bilhões em 2026. De acordo com a Fazenda, até 2030 a economia atingiria R$ 327 bilhões. O valor não representa sequer a metade dos cerca de R$ 800 bilhões de aumento nas despesas ocorrido no Lula 3, no biênio 2023-24. Supondo que os valores sejam atingidos – e há muito ceticismo – como espera o governo, o plano apresentaria uma desaceleração do ritmo de crescimento de despesas obrigatórias, mas é insuficiente – e muito – para colocar a dívida soberana brasileira nos trilhos.
Dentre os pontos mais relevantes do projeto está a nova regra de reajuste do salário-mínimo, atrelando-a ao arcabouço fiscal, ficando limitado a 2,5% de aumentos acima da inflação. Trata-se de um mecanismo relevante para as contas públicas uma vez que várias despesas em previdência e em benefícios sociais são corrigidas pelo salário-mínimo. Para que não houvesse impactos fiscais reais, a regra de reajuste deveria estar sujeita a variação da inflação e não do PIB.
Ainda que a proposição do governo possa produzir alguma economia em 2025, haverá aceleração das despesas para os anos seguintes, uma vez que a economia brasileira está crescendo acima do seu produto potencial e, quando houver a convergência no longo prazo, o salário se reajustará à variação do PIB, muito acima do que ocorreria se reajustado via variação inflacionária. A grande armadilha desta regra reside no efeito aceleracionista do gasto público total em relação ao crescimento da economia. Ao estipular um limite para o reajuste do salário vinculado ao arcabouço fiscal, o governo cria uma cunha entre as taxas de crescimento do gasto público consolidado e dos benefícios atrelados ao salário-mínimo. Como o gasto público cresce via a soma das taxas de crescimento do benefício e do número de beneficiários, que aumenta entre 2% e 3% ao ano, se o salário-mínimo crescer no teto do limite do arcabouço, 2,5%, teremos entre 4,5% e 5,5% de crescimento do gasto consolidado, o que está muito acima da capacidade de crescimento da economia.
Uma das poucas medidas que produziriam uma contenção crível das despesas foi a nova regra do abono salarial. Os beneficiários, para serem elegíveis, precisariam apresentar uma renda mínima com corte gradualmente reduzido até 2030, quando o governo estima eliminar quase R$7 bilhões em despesas com o programa. O efeito, contudo, somente começaria a ser sentido a partir de 2030, além se se tratar de valores ínfimos ante o tamanho da cratera fiscal brasileira.
Mas a pior notícia foi o anúncio do pacote de isenção de imposto de renda para rendimentos mensais de até R$ 5 mil. Note-se a ironia de um anúncio destinado a apresentação de um indispensável pacote de gastos ter sido também o palco de uma proposta de renúncia de receitas. O governo propõe isentar do imposto de renda rendimentos de até cinco mil reais e apresenta, por contrapartida arrecadatória, uma taxação progressiva de rendimentos (incluindo dividendos) a partir de R$ 600 mil.
A Fazenda apresentou números pouco críveis e o mercado trabalha com um rombo de pelo menos R$50 bilhões. Ademais, a contrapartida na arrecadação não é previsível tal qual a despesa. Rendimentos advindos do pagamento de dividendos, por exemplo, podem simplesmente não serem tributados caso as empresas não distribuam os lucros sob a forma de dividendos, preferindo programas de recompra de ações. As experiências internacionais de tentativas de aumento de arrecadação via tributação de rendimentos financeiros não se mostraram auspiciosas para os cofres dos governos como se pensou, o que torna muito pouco crível o lastro da compensação proposta por Haddad.
Em termos gerais, o governo não apresentou nenhuma medida crível de estabilização da dívida soberana brasileira e ainda propõe uma renúncia fiscal que nos custaria, ao menos, R$ 50 bilhões. A pouca confiança que o mercado ainda tinha no governo se desfez e estamos vendendo títulos da nossa dívida longa, hoje, a incríveis 7,15% acima do IPCA. Nem a taxas que mais parecem a velha agiotagem informal o tesouro está conseguindo financiar a sua dívida. O resultado de uma receita dessas é crescimento de inflação e dos juros. O aumento da faixa de isenção do IR, inclusive, tem efeitos inflacionários diretos, posto que a renúncia fiscal não se transformará em poupança, mas em consumo, o que pressionará a já aquecidissíma demanda e, por tabela, teremos aumentos nos preços.
O projeto será apresentado sob as formas de PEC e Lei Ordinária. A proposta da isenção de IR só será pautada no ano que vem. Há espaço para o Congresso conter o ímpeto suicida do governo e melhorar o produto final da proposta, ainda que muita coisa acabe por passar. A ampliação da isenção de faixa de renda do IR é, particularmente, espinhoso para o parlamentar por se tratar de medida muito popular. A capacidade do Congresso Nacional de se colocar como freio diante da irracionalidade fiscal apresentada pelo executivo é a esperança de não despencarmos enquanto dançamos à beira do abismo.