O Departamento de Energia dos EUA anunciou um empréstimo de mais de U$1,5 bilhão à geradora de energia Holtec International para reativar a usina nuclear de Palisades, no estado de Michigan. Será a primeira vez que um reator desativado retomará suas operações nos EUA. Mais U$65 bilhões em subsídios estão sendo analisados pelo Departamento para a construção de novos reatores, em uma notável guinada americana em direção ao aumento da participação da energia nuclear em sua matriz geradora.
A notícia é apenas mais um indício de que estamos vivendo uma retomada da energia atômica, depois de anos de compressão da indústria. Eventos recentes, como a guerra na Ucrânia, estão relacionadas ao aumento dos incentivos à produção de energia nuclear, mas há muito mais por trás dessa nova realidade. Após anos sofrendo ataques dos lobbies das entidades ambientalistas e dos produtores de combustíveis fosseis, responsáveis por cerca de 85% da ´produção mundial de energia elétrica, a geração atômica entrou no radar das autoridades nacionais e dos investidores por dois motivos principais: a demanda por energia limpa e a segurança energética.
A produção nuclear não é emissora de carbono, sendo a mais limpa dentre todas as fontes exploradas hoje e, diferentemente de outras matrizes renováveis, como a solar, eólica e hidrelétrica, não é intermitente e não exige armazenamento, podendo ser produzida de forma ininterrupta.
Essas características fizeram com que a conferência do clima, a COP28, realizada em dezembro passado, incluísse em seu relatório final, pela primeira vez, a energia atômica como alternativa limpa para conter o aquecimento global. Na conferência, 22 países assumiram o compromisso de triplicar a geração total de energia nuclear nas próximas décadas.
A meta é ambiciosa e se defronta com um grande obstáculo, que é a oferta de urânio, principal elemento gerador de energia nuclear pela indústria. É esperado que a produção de urânio atinja cerca de 85% de sua demanda global em 2024 e a Agência Internacional de Energia Atômica estima que, em 2030, a demanda atingirá 84 mil toneladas, ao passo que a oferta não deve ultrapassar 75 mil.
A escassez do mineral se deve a uma série de fatores que afetaram seus preços, levando a uma retração da oferta a partir de 2015. Depois de atingir o pico de quase U$140 em 2008, nove anos depois, os preços defrontados pelos mineradores estavam abaixo de U$20, o que fez com que várias minas fossem fechadas. Mas o que explica um efeito tão baixista de mercado?
Entre 2000 e 2008, os preços do urânio saltaram de cerca de U$3 para U$140 por libra, atraindo um número gigantesco de novas mineradoras. Cerca de 500 empresas operavam no mercado até a metade da última década, aumentando a oferta total, mas sem um aumento correspondente na demanda, que se manteve estável durante o período. Outro efeito baixista veio do aumento da produção da Kazatomprom, mineradora cazaque que saltou de 10% da produção mundial para 40% em poucos anos, após desenvolver uma nova técnica de mineração, muito mais eficiente. Os preços baixos levaram centenas de mineradoras a abandonarem o mercado e outras, mais resilientes, desativaram minas mundo afora, como a canadense Cameco que, em 2018, descontinuou a produção da maior mina do mundo, MacArthur River, no Canadá. A mineradora ainda encerrou as operações em outros de seus ativos mais importantes, como as minas de Cigar Lake e Fish Lake.
A demanda global, por sua vez, não aumentou durante os primeiros vinte anos do século, se mantendo em torno de 140 milhões de libras por ano. A narrativa ambientalista, temerosa dos riscos de desastres nucleares, fomentou uma verdadeira cruzada contra a energia nuclear.
Apesar de a energia nuclear ser a fonte mais segura energia elétrica, ao lado da solar, com 0,3 mortes por terawatt produzido, ante 33 mortes causadas pela exploração de carvão marrom, a menos segura das fontes, a falácia perpetrada por ONG’s e organismos internacionais acerca dos riscos da energia atômica fomentou a rejeição da opinião pública. O acidente nuclear da usina japonesa de Fukushima, em 2011, após um reator ser atingido pelo tsunami que devastou o país, catalisou o processo de substituição do átomo como fonte de energia renovável. As pressões levaram diversos países a estipularem metas de desnuclearização de sua matriz energética, desativando reatores e liberando subsídios de trilhões de dólares para o desenvolvimento de fontes renováveis alternativas, sobretudo solar e eólica.
Sob preços baixos e dúvidas acerca da demanda futura, o mercado de urânio se viu em um grande desequilíbrio entre oferta e demanda, o que levou a um aumento espetacular nos preços, que saltaram de menos de U$3,10 por libra em 2016 para mais de U$97 em 2024. Apesar de muitas minas terem sido reativadas nos últimos três anos, como MacCarthur River, em 2021, o intervalo entre o início da mineração de uma libra de urânio e a geração do primeiro kilowatt pode levar até quatro anos, mantendo a oferta insuficiente para os próximos anos. Analistas esperam que os preços retomem à máxima histórica de 2008 em um futuro próximo.
A força altista nos preços, porém, tem tudo para continuar e empurrar as cotações para além das máximas históricas. Estima-se que a demanda mundial por energia elétrica aumente em cerca de 50% até 2050 e o notório fracasso das alternativas renováveis de energia que, apesar dos volumosos investimentos, ainda não foram capazes de garantir a segurança energética mundial, levou as autoridades e grande parte da agenda ambientalista a adotar o poder do átomo como alternativa de geração limpa.
Países como a China, onde milhões de pessoas morrem todos os anos devido poluição do ar, vêem na energia nuclear a principal estratégia para descarbonizar sua produção. Somente o gigante asiático espera inaugurar 150 novos reatores até 2035. Se a meta for alcançada, a produção mundial de hoje representaria quase toda a demanda chinesa por urânio.
A demanda ainda tende a ser alimentada pelo desenvolvimento de uma nova geração de reatores, os chamados SMR’s (Small Modular Reactors). Um SMR é um reator padronizado, construído sob uma linha de produção industrial e dotado de potência elétrica de até 300 megawatts, ao passo que os reatores convencionais possuem capacidade de geração entre 1000 e 1200 megawatts. Com cerca de 10% do tamanho dos reatores de larga escala, os SMR demandam muito menos tempo para entrar em operação e podem ainda ser expandidos com facilidade, adicionando novos módulos a uma planta em pleno funcionamento. Possuem, ainda, um custo muito menor de implementação – um reator de 300 megawatts custa em média U$1,5 bilhão, enquanto os reatores convencionais requerem entre U$ 6 e U$ 10 bilhões em investimentos. Embora apenas a China e a Rússia tenham SMR’s em operação hoje, mais de 100 projetos já estão em implementação em diversos países e centenas de bilhões de dólares já estão destinados para implementação de futuras plantas.
Com a demanda aquecida para as próximas décadas, os preços do urânio devem continuar em alta. Não há um substituto a altura da energia nuclear. Nenhuma fonte em condições de exploração econômica é capaz de, ao mesmo tempo, ser limpa, renovável e suprir a demanda por energia. Mesmo as novas tecnologias que estão sendo estudadas, como o hidrogênio verde, devem ser substitutos, posto que estão ainda em fase de pesquisa, demandando muitos anos para atingir escala de produção e viabilidade econômica. Se nenhum novo acidente importante ocorrer, o que poderia levar a uma nova onda de pressões pela interrupção de programas nucleares, poderemos ver os preços do urânio subirem por anos. Ainda que não seja dourado, o urânio está reluzindo como ouro.