Um estudo recente conduzido pelo economista Sérgio Wulff Gobetti, pesquisador do Ipea, revela uma disparidade significativa na tributação entre os mais ricos e os trabalhadores assalariados no Brasil. A análise, que considera o Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF), o Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social do Lucro Líquido (CSLL), mostra que os rendimentos do capital são geralmente menos tributados que os do trabalho, resultando em uma incidência regressiva do imposto de renda no topo da pirâmide econômica.
De acordo com os dados da Receita Federal do Brasil analisados no estudo:
Aproximadamente 800 mil contribuintes com renda média anual de R$ 449 mil pagam no máximo 14,2% de alíquota, o mesmo percentual aplicado a um assalariado que recebe R$ 6 mil mensais. Este patamar marca o ponto máximo de tributação entre os contribuintes mais ricos.
A partir deste ponto, a progressividade da cobrança de impostos cessa, e as alíquotas começam a diminuir conforme os rendimentos aumentam. Para o 1% mais rico da população (1,536 milhão de pessoas), com renda média anual de R$ 1,053 milhão, a alíquota cai para 13,6%.
Para os 0,1% mais ricos (153 mil pessoas), com renda média anual de R$ 5,295 milhões, a alíquota diminui ainda mais, chegando a 13,2%.
No topo da pirâmide, os 0,01% mais ricos (pouco mais de 15 mil pessoas), com renda média anual de R$ 26,036 milhões, pagam apenas 12,9% de alíquota.
O estudo revela que entre os 0,01% mais ricos, 81% da renda provém de ganhos de capital, lucro, juros ou atividade rural. Para o estrato de 0,1% mais rico, essa proporção é de 77%, e para o 1% mais rico, 66%.
Gobetti aponta que a regressividade na tributação dos mais ricos é ‘reflexo de inúmeras distorções e privilégios perpetuados no sistema tributário brasileiro’. Entre as principais disfunções, ele destaca:
A isenção sobre lucros e dividendos distribuídos a pessoas físicas, uma prática rara no cenário global.
Os benefícios inerentes aos regimes especiais de tributação e as brechas no regime de lucro real, que resultam em disparidades significativas na tributação entre diferentes corporações e setores econômicos.
O economista critica um sistema que ‘premia os empresários que adotem mais estratagemas de planejamento tributário ou simplesmente restrinjam a escala de seus negócios aos limites dos regimes especiais’, gerando vantagens comparativas desvinculadas da atividade econômica em si.
Os benefícios concedidos às empresas têm efeitos fiscais substanciais. O Ipea estima que cerca de R$ 180 bilhões deixaram de ser recolhidos entre 2015 e 2019 pelas empresas optantes pelos regimes de tributação Simples e de Lucro Presumido. Atualizado pela inflação, esse valor chegaria a R$ 300 bilhões.
Empresas sob esses regimes especiais arrecadaram apenas 25% do que pagariam se fossem tributadas pelo lucro real.
Gobetti enfatiza a importância de mostrar que ‘a falta de equidade com que a renda em geral (e o lucro das empresas, em particular) é tributada tem consequências negativas não só sobre a justiça fiscal, mas também sobre a eficiência econômica.’